Diário de Bitita

Diário de Bitita Carolina Maria de Jesus




Resenhas - Diário de Bitita


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isa.dantas 11/10/2017

Livro publicado em 1982, mas que continua sendo um grande soco no estômago de quem o lê.
JR 04/12/2018minha estante
Ganhei ele da escola hoje espero ser muito emocionante.




Gustavo Aranha 19/10/2015

Divisor de água

Certa vez, questionaram-me sobre qual o meu livro favorito? Ou então, qual o meu personagem favorito? Ao refletir me perdi dentro da minha paixão pela literatura, ela sempre foi indispensável. Chegando ao ponto, de eu talvez definir nossa relação como: amor. Desta maneira, não achava justo definir um único favorito. Mas, esta obra fez-me revisar os meus conceitos acadêmicos, literários, profissionais e pessoais. Uma obra de uma estética literária que me conduziu a uma catarse tão profunda, que hoje eu poderia dizer: “o meu romance favorito é Diário de Bitita”.
Usando uma técnica que vai além de uma simples organização de memórias (diário), é como se a narradora selecionasse memórias poéticas de sua vida, adicionando uma certa ficção, tornando a obra como as memórias de um autor, e não de uma simples pessoa. Esse romance, em forma de memórias selecionadas e reflexivas a cerca do ato de viver e escrever, é muito interessante, pois faz um recorte da infância e adolescência de Bitita, até chegar à São Paulo, estampado um dos períodos mais críticos vividos pelo negro no Brasil.
Um romance muito forte, com imagens muito trabalhadas, sobre a vida no negro no início do séc. XX. As primeiras escolas surgiam, e o racismo estava impregnado naquela cultura de uma forma mais explicita que hoje: “No ano de 1925, as escolas admitiam alunas negras. Mas quando as alunas negras voltavam das escolas, estavam chorando. Dizendo que não queriam voltar à escola porque os brancos falavam que os negros eram fedidos.” (Diário de Bitita, p. 42). A obra te convida a refletir durante todo o tempo, como nesta passagem, a dificuldade do negro estudar. Uma herança maldita que parece ainda não está sanada. O romance está repleto de imagens reais sobre como a escravidão só mudou de conceito:
“- A senhora não deixou meu filho entrar no segundo ano porque ele é negro, mas ele já sabe ler e escrever o a-b-c.(...)”
“(...) – Os abolicionistas, veja o que fizeram! Essa gente agora pensa que pode falar de igual para igual. Eu, na época da abolição, tinha mandado toda essa gente repugnante de volta para a África.”(página 46)
Quando os negros conseguiam a oportunidade de estudar, ainda assim, enfrentavam esse tipo de preconceito: “Os pobres completavam o quarto ano e recebiam o diploma. As crianças ricas prosseguiam os estudos. Os pobres não tinham possibilidades de estudar nem o curso ginasial. E quantos meninos pobres choravam porque queriam estudar!” (página 52). A narradora, do romance, organiza as memórias de forma perfeita, a fim de que o leitor possa observar de como é delicada toda aquela condição ou ausência de condição humana.
Durante toda a narrativa tem-se a impressão de que os negros estão apanhando. No início da narrativa Bitita registra toda a sua indicação em relação aos policiais – e ela ressalta muitas vezes que eles eram analfabetos – baterem, prenderem, assassinarem os negros. Como ela narra, os pretos sempre serviam de bode expiatórios. “Quando havia um conflito, quem ia preso era o negro. E muitas vezes o negro estava apenas olhando.” (página 55). Em outras passagens, as imagens se tornam ainda mais fortes e angustiantes, como no assassinato de um nortista:
“O fato que me horrorizou foi ver um soldado matar um preto. O policial deu-lhe voz de prisão; ele era da roça, saiu correndo. O policial deu-lhe um tiro. A bala penetrou o ouvido. O soldado que deu-lhe o tiro sorria, dizendo:”
“- Que bela pontaria eu tenho.”
“E eu fiquei pensando nos baianos que eram obrigados a deixar a Bahia porque lá não chove, e serem mortos pelos policiais. Será que ele tem mãe? Quem é que vai chorar por ele? Ele não brigou, não xingou, não bebeu pinga. Não havia motivos para matá-lo. Quando o delegado chegou, olhou o morto, e mandou sepultá-lo. E tudo acabou-se.”(página 115)
A construção estética, do raciocínio da narradora, também nos fazem crer ser uma criança. Até a metade do livro, os pensamentos de Bitita são muito sagazes, mas também, muito confusos e embaralhados, o que se é ressaltado pela formação de períodos mais simples, mostrando se tratar realmente de uma criança na infância narrando aquela história. Do meio para o fim, junto ao seu envelhecimento, ocorre também a maturação da representação da narrativa e consequentemente de seus pensamentos.
Quanto mais se desenvolve as memórias, parece-me que Bitita vai se calando, apenas de não silenciar a sua voz e sua indignação. Seria como se ela percebesse uma forma diferente de lutar. Viaja por diversos locais, em busca da cura de sua doença ambulatória de suas pernas. E nessas viagens leva apenas a sua trouxinha com mudas de roupas. Dois outros objetos também aparecem no decorrer das andanças e são eles alguns vestidos que ela ganha de sua patroa, e três colares, que ela se sente igual ao usar os objetos. Os livros também aparecem, embora, tem-se a impressão que ela acaba deixando-os nos locais onde ela transita.
Portanto, mais que um simples diário de memória. Carolina Maria de Jesus, ao criar Bitita, dá voz a todo um povo, que – como narrado – foi arrancado de sua mãe África e condicionado a sofrer terríveis crimes. Uma narrativa que só poderia ter sido escrita por ela, foi publicada primeiramente na França em 1982, já após a morte da autora, e somente foi publicada no Brasil em 1986, numa pequena edição. No ano de 2014, foi organizada uma nova edição pela Sesi-SP editora. Assim, sem idealizar um espaço em que os negros deveriam viver, essa obra mostra de forma poética o custo de: “Ordem e Progresso.”.
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none 17/05/2018

Mais que uma autora, uma amiga
Bitita narra suas tristezas não em um quarto fugida de nazistas em uma terra distante da sua, narra na terra onde ela nasceu, onde seus ancestrais foram trazidos à força, é verdade. Mas narra com a força e a coragem para denunciar com o poder que lhe foi conferido pela educação e esforço próprio, para fugir da condição de excluída socialmente. Bitita querida, Bitita sofrida, escorraçada pela família, maltratada pelos vizinhos e patrões, e pelos policiais, nem por isso desistiu. De passo em passo, de escravidão em escravidão ao menos chegou à liberdade para poder nos contar como foi seu Brasil, como foi que enxergou ao redor, como sobreviveu a tantos percalços e mais que tudo, como, apesar de tudo, pode registrar tudo isso para mostrar às gentes de todas as raças que mesmo sem guerra há muita desumanidade no mundo, seu poema O fazendeiro e o colono (infelizmente não inserido no livro, mas mencionado por Bitita) é quase como um rap de denúncia, atinge precisamente e melhor que uma bala o cérebro do leitor e resume tudo o que ela soube dizer e escrever com primor em seus livros, canções e frases: O Colono e o Fazendeiro
Diz o brasileiro
Que acabou a escravidão
Mas o colono sua o ano Inteiro
E nunca tem um tostão
Se o colono está doente
É preciso trabalhar
Luta o pobre no Sol quente
E nada tem para guardar
Cinco da madrugada
Toca o fiscal a corneta
Despertando o camarada
Para colheita
Chega à roça ao Sol nascer
Cada um na sua linha
Suando para comer
Só feijão com farinha
Nunca pode melhorar
Esta negra situação
Carne não pode comprar
Para não dever ao patrão
Fazendeiro ao fim do mês
Dá um vale de cem mil réis
Artigo que custa seis
Vende ao colono por dez
Colono não tem futuro
E trabalha todo dia
O pobre não tem seguro
E nem aposentadoria
Ele perde a mocidade
A vida inteira no mato
E não tem sociedade
Onde está o seu sindicato
Ele passa o ano inteiro
Trabalhando. Que grandeza.
Enriquece o fazendeiro
E termina na pobreza
Se o fazendeiro falar
Não fique na minha fazenda
Colono tem que mudar
pois não há quem o defenda
O colono quer estudar
Admira a sapiência do patrão
Mas é um escravo, tem que estacionar
não pode dar margem à vocação
Trabalha o ano inteiro
E no Natal não tem abono
Percebi que o fazendeiro
Não dá valor ao colono.
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Toni 20/12/2018

‘Diário de Bitita’ foi publicado primeiramente na França em 1982, após a morte de Carolina.
Assim como o imprescindível ‘Quarto de despejo’, é também um relato autobiográfico, focado, por sua vez, na infância da escritora-menina-curiosa em Sacramento/MG e em seus primeiros anos de dura lida pelas estradas, fazendas e cidades do interior mineiro. O cotidiano de comunidades pobres, as marcas da escravidão nos discursos e mentalidades, a conquista da CLT, a luta pela sobrevivência e a esperança de um “Brasil para os brasileiros” não são apenas temas que vão e voltam no discurso de Bitita, mas expressão de uma resistência contra a exploração e o preconceito que questiona, a cada capítulo, a perda do sentido ético da existência.
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Para aqueles que julgam Carolina uma “autora sem valor literário” (um disparate dentro de uma noção disparatada, vamos combinar...), o diário apresenta uma voz narrativa complexa que mistura aspectos íntimos e sociais aos pontos de vista da criança e da escritora adulta — crítico e pungente este, inocente-esperançoso aquele outro. Uma voz “amável e triste como se estivesse descontente com o mundo”, palavras com que Carolina descreve uma das habitantes de sua memória, mas que poderiam definir sem embargos sua escrita.
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Assim também, como a autora, tristes e amáveis são os episódios narrados neste diário. Amáveis, esteja claro, no sentido mais profundo de um amor telúrico pelo mundo e pela vida apesar de toda exploração, infelicidade e injustiça vividas na pele, sem trégua. Vem daí, arrisco, a universalidade desta mulher que escreve sobre dores e sorrisos entre pessoas desumanas e desumanizadas. Carolina Maria de Jesus acreditava que, se ouvidas com cuidado, as palavras de Rui Barbosa seriam capazes de transformar o Brasil. Hoje, não tenho dúvida de que estas recordações têm poder muito mais transfigurador. Se lidas com atenção, as palavras de Bitita e Carolina não permitem esquecer o grande imperativo ético de nosso tempo: o direito de todas e todos à dignidade e ao sonho.
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@dropsdeleitura 20/03/2019

Carolina Maria de Jesus vem mais uma vez como uma voadora no meio da pleura. No ?Diário de Bitita?, a mulher negra, favelada, amante dos livros, faz o resgate de sua infância e adolescência. A vida sofrida junto da mãe e do avô querido; as primeiras desilusões com a vida e a vivência precoce da miséria, da violência e do preconceito.

O discurso de Carolina é honesto demais.. A gente sente fácil a entrega da alma em sua narrativa. Em várias passagens, podemos ver a menina Bitita com a caneta em punho, desajeitadamente enredando os abusos sofridos, os sonhos de criança e as mágoas geradas por uma realidade difícil de ser compreendida.

Um livro muito, muito difícil.. Desses de dar nó no estômago. E por isso mesmo, assim como ?Quarto de Despejo?, é um livro extremamente necessário.
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Lorena 01/05/2019

Relatos de sobrevivência em ambiente hostil

Carolina Maria de Jesus viveu.

Como Bitita sobreviveu a tanta adversidade, hostilidade, descaso e injustiça?
Mistério. Carolina Maria de Jesus (que nome lindo!) não é só uma negra inteligente, ela é uma fortaleza, uma força da natureza, imparável, incansável, um rio de corredeiras caudalosas preenchendo e rebentando todos os espaços por onde passou.
Ainda assim não consigo deixar de sentir pesar por todo o mal que o mundo lhe infringiu.

Carolina Maria de Jesus é nossa Frida Kahlo.

Mulher, negra, alquebrada, livre e linda.
Descanse em paz, Bitita.
Que a memória de você permaneça sempre viva.

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Delirium Nerd 05/10/2019

A infância de Carolina de Jesus em um Brasil pós-abolição
O livro “Diário de Bitita” trata da infância, adolescência e início da vida adulta de Carolina Maria de Jesus, autora de “Quarto de despejo: diário de uma favelada”. O livro póstumo da autora foi lançado pela primeira vez na França, em 1982, com o título “Journal de Bitita”, e essa edição mais recente foi lançada pela SESI-SP Editora.

Antes de morrer, Carolina entregou dois cadernos com os manuscritos do livro para uma jornalista brasileira chamada Clélia Pisa. Posteriormente, o livro foi publicado no Brasil muito tempo depois da morte da autora.

Em 2019, Carolina de Jesus completaria 105 anos. Nascida em 14 de março de 1914, ela faleceu em 13 de fevereiro de 1977 aos 63 anos, ainda com textos inéditos a serem publicados. Conhecida mundialmente por seu livro “Quarto de despejo: diário de uma favelada“, lançado pela primeira vez em 1960, ela registrou as impressões de sua infância com um olhar infantil e ao mesmo tempo crítico para o Brasil da época, no que viria se tornar o seu livro “Diário de Bitita“.

Racismo, machismo, pobreza e imigração são alguns dos temas do livro tratados pelo olhar de uma criança inteligente e espevitada, que aprendeu a ler no pouco tempo em que passou na escola. Bem como, Carolina foi uma das poucas pessoas negras que sabia ler na sua família.

Bitita, como era conhecida na infância por sua família e amigos, só ouviu o seu nome completo pela primeira vez quando começou a frequentar a escola, algo raro para as crianças negras da época. Então com quatro anos a pequena Bitita já atormentava a sua mãe com perguntas que ela não podia responder.

Apesar da abolição da escravidão ter acontecido em 1988, os vestígios desse longo período de sofrimento e descaso para o povo negro ainda eram fortes e presentes na década de 1920 e na mentalidade da sociedade. Nascida e criada no interior de São Paulo, as narrativas e observações de Bitita servem como um retrato da época, onde somos transportadas para uma sociedade que ainda tratava a população negra como escravos e inferiores. Assim, é interessante notar os paralelos com a nossa sociedade contemporânea em diversos aspectos apresentados no livro.

Como não houve reparação para os escravizados, que foram deixados a própria sorte, muitos continuaram nas fazendas ou foram atrás de empregos nas cidades, mas ainda assim a população vivia em extrema pobreza. Enquanto isso, os imigrantes recebiam terras e incentivos para prosperarem no país.

A sociedade, na época de Carolina de Jesus, ainda era agrícola e as oportunidades de emprego eram voltadas para o campo, onde eram explorados pelos patrões, ou nas casas das famílias ricas, onde eram alvos de preconceitos e maus-tratos.

A constante busca por emprego e alguma forma de sobrevivência são assuntos recorrentes no livro. Carolina de Jesus narra as desventuras de sua mãe e – posteriormente – de si mesma, passando de lugar em lugar em busca de algo que lhe seja bom e que pague de forma decente o seu esforço. Sofrendo explorações e humilhações de patrões, que agem como se ainda fossem senhores de escravos, eles se recusam a acolher Bitita quando ela fica enferma e não consegue trabalhar.

Tais sofrimentos da vida de quem é negro e pobre, é narrado pelos olhos de uma jovem que, apesar de todo o peso que carrega, encontra nos livros e na voracidade literária de qualquer coisa que apareça, uma forma de se elevar perante a sociedade que a oprime.

As questões do povo negro também são tratadas no livro, como os relacionamentos interraciais, que eram vistos como uma forma de integração na sociedade, principalmente pelos homens negros. A falta de perspectiva dessa população que não teve nenhum tipo de política de integração, assim como as violências perpetradas pelas autoridades e o racismo explícito – além da violência sexual sofrida pelas mulheres negras – são narrados de maneira quase didática.

Portanto, cada capítulo do livro de Carolina de Jesus é um pedaço da sociedade que vai se encaixando aos poucos e se transforma no Brasil da época, refletido nos problemas atuais; tudo isso usando a família e as experiências pelas quais a jovem Bitita e – futuramente – Carolina Maria de Jesus passa.

Para além dos relatos da infância da autora, “Diário de Bitita” é a visão de uma mulher negra, pobre e desfavorecida de uma sociedade que falhou com ela e com seus iguais de diversas formas. E essa mesma sociedade, mais tarde, cobrou deles um preço que lhes custou a vida em trabalhos que possibilitavam apenas a sua sobrevivência.

Por fim, a jovem Bitita é a representação de que, quando as pessoas têm acesso ao conhecimento, todo um novo mundo de questionamentos e possibilidades se abre. Dessa forma, permite que se possa sonhar e buscar algo melhor, assim como questionar a sociedade em que se vive e partir em busca de uma mudança.

Resenha completa no link abaixo:

site: https://deliriumnerd.com/2019/09/04/diario-de-bitita-a-infancia-de-carolina-maria-de-jesus/
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Orochi Fábio 24/11/2019

Barra pesadíssima!
Livro que comenta os primeiros anos de vida da autora, lançado postumamente, nos expõe sem floreios e em primeira pessoa, os inacreditáveis sofrimentos que Bitita (seu apelido na infância) teve de suportar durante TODA a sua vida extremamente difícil...quem leu Quarto de Despejo, sabe o que quero dizer...
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Tinho Silva (@cafecomlivrossp) 08/04/2020

Diário de Bitita - Carolina Maria de Jesus
O “Diário de Bitita” obra póstuma da escritora Carolina Maria de Jesus, apesar de trazer em seu título a palavra “diário”, não se trata de um. É, na verdade, um livro de contos autobiográficos e têm como base as memórias da escritora do período em que viveu em Sacramento com a sua família. Publicado a primeira vez na França em 1982, nele temos a luta diária de uma família negra, pós Lei Áurea através do olhar de uma menina muito esperta de apelido Bitita. O esforço para conseguir trabalho e a tentativa de viver de forma digna, são um dos destaques do livro. Ela narra também a infância humilde, sua relação com a família, período na escola, como surgiu nela o desejo e o gosto pela leitura e sobre os preconceitos que sofreu na sua caminhada, principalmente por ser mulher e negra. Esse, na minha opinião, é a melhor obra publicada da Carolina Maria de Jesus e isso se justifica nos mais variados aspectos. vejamos abaixo.

Cheguei à conclusão de que não necessitamos perguntar nada a ninguém. Com o decorrer do tempo vamos tomando conhecimento de tudo. (p.14).

Primeiro, pela maneira que foi produzido. Nele temos uma autora madura que compreende melhor a sua escrita e a sua poética. O entender do mundo e as suas impressões pessoais acerca dos temas que permeavam a sociedade que lhe rodeava, fazem parte dessa narrativa, acompanhando-a até o desfecho final, a ida para a cidade de São Paulo. Tomando como base as memórias, algumas “descobertas” merecem destaque. Ser mulher, ser negra, ser pobre, ser poetisa, são coisas que ela entende à medida que vai crescendo. “Eu sabia que era negra por causa dos meninos brancos. Quando brigavam comigo, diziam: / – Negrinha! Negrinha fedida!” (p. 95), a sua cor sempre lhe é colocada de forma a lembrar algo, como se a sua condição social lhe empurrasse para uma posição de subalterna, e dessa forma, ela vai entendendo e construindo a sua identidade de pessoa negra e como o racismo podia se manifestar nas várias esferas e da forma mais perversa. É importante ressaltar que ela nunca aceitou a posição de inferior, pelo contrário, questionava e muitas vezes lutava para ser reconhecida, demonstrando a sua insatisfação frente as injustiças sofridas por ela e pelos seus semelhantes.

Segundo, os contos que são apresentados possuem uma leitura linear e muita precisão nas descrições. Dito isso, se faz necessário compreender que estamos falando de relatos que trazem como suporte as recordações, tanto agradáveis, como dolorosas, da vida da autora.

Com isso ela consegue “brincar” com os nossos sentimentos misturando histórias engraçadas e histórias tristes; uma hora temos uma menina que quer ser homem para poder trabalhar e gozar dos privilégios que tal posição lhe oferecia; outra hora temos uma garota ousada, enfrentando com argumentos plausíveis um juiz para se defender de injustiças praticadas pelo filho; em outro momento uma Carolina triste e amargurada pelas situações difíceis que a vida lhe proporcionara; ou uma mulher batalhadora, tentando curar as feridas que tinha nas pernas para voltar ao mercado de trabalho e viver uma vida honesta; dessa maneira, a Via Crucis que foi a vida de Carolina vai se desenrolando, nos brindando com uma montanha russa de emoções.

Terceiro, a denúncia é uma das características marcantes nos textos da autora, nesse em questão, ela se apresenta muito forte, principalmente a situação vivida pela população negra na cidade de Sacramento. Por conseguinte, ela constrói um panorama social de como era a vida dessa população poucos anos após a assinatura a Lei Áurea no Brasil.

Quando os pretos falavam: - Nós agora estamos em liberdade. – Eu pensava: “Mas que liberdade é essa se eles têm que correr das autoridades como se fossem culpados de crimes? Então o mundo já foi pior para os negros? Então o mundo é negro para o negro, e branco para o branco!”. (p. 59).

Sendo uma obra escrita por uma Carolina adulta, o tom de denúncia e crítica utilizado por ela no texto, nos faz acreditar que ela o concebe de forma consciente, tendo em vista que na sociedade o racismo, as desigualdades sociais e a questão de gênero se fazia/faz presente. Dessa forma, ela parte de situações arbitrárias, principalmente praticadas pelas autoridades, para falar das pessoas que durante muito tempo viveram marginalizadas e invisíveis, expondo as injustiças sofridas; “a escravidão é uma cicatriz na alma do negro” (p. 61), apontamentos dos resquícios deixados pelo período da escravidão são igualmente recorrentes, trazendo questionamentos acerca dessa “liberdade” que o negro tanto fala, mas não goza. Crítica o preconceito sofrido também "essas hostilidades por questão de cor é mediocridade. E primitivismo dos predominadores" (p.55).

Com o avançar da leitura, fica evidenciado, o quão é necessário fazer uma reflexão crítica, inclusive sobre a sociedade atual e como essas vozes emergentes estão deixando de ser invisíveis e ganhando os espaços que lhe são devidos. Nesse sentido, Carolina Maria de Jesus é pioneira, o mesmo trabalho foi feito em “Quarto de despejo: diário de uma favelada” (veja resenha completa aqui), no qual ela coloca o dedo na ferida, forçando a discussão sobre temas tão incômodos à sociedade, o que transforma essa e outras obras de Carolina, atribuindo-lhe características de atemporalidade.

O filho do pobre, quando nascia, já estava destinado a trabalhar na enxada. Os filhos do rico eram criados nos colégios internos. Era uma época em que apenas a minoria é que recebia instruções. A minoria alfabetizada desaparecia. (p. 46).

Neste ponto, ela problematiza sobre a desigualdade social, apontando as dificuldades que as pessoas pobres encontravam para adquirir o conhecimento acadêmico, a própria Carolina passou por isso, mas graças a uma das patroas da sua mãe, conseguiu frequentar dois anos do ensino primário; só na escola ela vai descobrir o seu nome de batismo, a estratégia não muito pedagógica que a professora usa para estimular o gosto da menina pelos estudos e o despertar para a importância da leitura nos fornece uma das histórias mais incríveis e envolventes da trajetória percorrida por Bitita.

Outros temas pertinentes são igualmente discutidos ao longo do texto, como por exemplo, Ser mulher negra em uma sociedade machista, repressão essa que ela sempre lutou contra, mostrando-se muitas vezes avessa ao casamento, afirmando que homem para ser “bom” não pode ser autoritário e precisa ser como “relâmpago”, proativo e trabalhador e que segundo ela, na realidade a qual estava inserida seria difícil encontrar.

Assim, é um texto que não se esgota nessa rasa discussão a que eu estou propondo aqui. Cada conto/capítulo tem em si ínfimas possibilidades de discursos, gerando as mais diversas inferências e as mais variadas leituras e debates. Porém, cabe salientar aqui, que a decisão de adequar a escrita da autora às normas padrões gramaticais, na minha opinião, tira um pouco da essência e descaracteriza a representação das vozes marginalizadas a quem Carolina deu visibilidade, embora isso não atrapalhe a leitura da obra. E por fim, temos um texto muito bem escrito e muito coerente dentro do que Carolina Maria de Jesus sempre se propôs a fazer, mais uma vez, a escritora consegue com perspicácia e inteligência, nos prender em suas histórias, onde mergulhamos profundamente no oceano das suas recordações e passamos a conhecer um pouco mais sobre a sua história e os caminhos percorridos até a sua chegada na cidade de São Paulo – SP, antes de se tornar a escritora que conhecemos hoje.

- Oh, mamãe! Eu já sei ler! Como é bom saber ler!Vasculhei as gavetas procurando qualquer coisa para eu ler. A nossa casa não tinha livros. Era uma casa pobre. O livro enriquece o espírito. (p. 129).

site: https://cafecomlivrossp.blogspot.com/
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Adonai 17/04/2020

Diário de uma mulher fantástica
Ouvi falar de Carolina em algumas rodas de conversa, palestras e cursos. Descobri que um livro seu chegou a ser publicado primeiro na França, para depois ser lançado aqui. Como isso aconteceu, já que ela é brasileira? A partir dessa questão, procurei mais sobre sua vida e fui entendendo como o racismo estrutura tanto nossas vidas.

Esse livro publicado fora primeiramente, é esse: o Diário de Bitita, como ela gostava de ser chamada. Senti a obrigação de ler e deveria começar por esse livro, já que ele conta sua infância em Minas Gerais e os caminhos que percorreu até chegar na capital de São Paulo.

Uma vida sofrida torna a pessoa forte? Ou ela já é forte? Ou um pouco dos dois? Carolina Maria de Jesus é escritora, negra, morou em favela e encanta. Registro tudo isso não para diferencia-la, mas sim para marcar o espaço que a constitui. Um livro incrível, cheio de alma, recheado de Carolina e de sua voz, a qual deve ser mais ouvida por nós.
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Joao.Ricardo 23/04/2020

Autora uma GÊNIA
Uma das armas mais primitivas e eficazes que existe no mundo é a lança. Utilizada para ataques à longa distância, útil também para golpes de curta distância. É capaz de desferir cortes, estocadas. Na defesa sob a maestria de seu portador é útil para desarmar os guerreiros mais hábeis. E no cotidiano garante a subsistência e contribui para os afazeres comuns. É um artefato fruto da sabedoria humana e que transpassou seu tempo por ser uma ferramenta simples e eficaz "Diário de Bitita" é a lança de Carolina Maria de Jesus.
É uma obra capaz de desferir ataques contundentes e estocadas ferozes aos racistas; um elemento de defesa ao povo negro do Brasil; e um elemento capaz de fazer a manutenção da consciência de raça do nosso país.
Se você é branco leia, se você é negro leia. Nessa obra Carolina Maria de Jesus, mulher negra, nos revela sua genialidade que está situada em uma esfera muito além da nossa no que tange concepção de mundo. Somos lançados ao confronto direto com uma arma extremamente eficaz e que vem se mantendo afiada durante muito tempo sem perder pujança.
É nesse livro que você irá compreender questões fundamentais de raça que perduram no Brasil até o presente momento. Você irá compreender o seu lugar na nossa sociedade sob a sua identidade de cor. A obra nos remete ao começo do século XX, entre as transições das repúblicas e revela a realidade vivida pela maioria da população brasileira do sudeste naquela época, e que ainda é a realidade de muitos brasileiros atualmente (de quebra é possível compreender que a questão da escravidão é um ponto não solucionado no Brasil). Originalmente foi publicado na França, em 1982, atualmente "Diário de Bitita" volta à tona pelo lobby acadêmico que tenta sanar a dívida literária com a genia Carolina Maria de Jesus.
É leitura imprescindível para entendermos o Brasil.
Não se esqueçam - essa obra é uma lança. E uma arma mesmo quando utilizada para outra finalidade que não a bélica, nunca perde sua finalidade.
Boas leituras.
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Nelissa 26/04/2020

Leitura que complementa bem o livro ?Quarto de Despejo?, por meio de o ?Diário de Bitita? dá pra aprofundar mais na vida de Carolina, sob um olhar autobiográfico, desde a sua infância até o momento que resolve mudar-se para SP. É um livro repleto de exemplos de situações racistas que são importantes para refletirmos e entendermos, pelo menos em parte, a importância de adotar uma postura antirracista atualmente, pois são fatos que facilmente ainda presenciamos nos dias atuais. É um bom livro, mas que mexe muito com a gente, por diversas vezes fiquei profundamente triste e sem acreditar na capacidade humana de ser tão cruel. Enfim, recomendo! Carolina é uma escritora fundamental.
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Thaís - @comprandopelacapa 23/05/2020

Diário de Bitita
Nesse diário, Carolina vai contar sobre a sua infância, como foi pra ela crescer sendo negra e pobre em Sacramento - MG. Apesar de falar da sua infância, é preciso lembrar que o livro foi escrito pela Carolina adulta, então não é de se estranhar a linguagem, que não é exatamente infantil.
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Carolina deixa claro como o processo de crescer foi extremamente doloroso. Ainda criança foi duramente criticada e agredida por "falar demais" e ser muito questionadora. Agredida também por ser uma "negrinha feia", e essa tal feiura a excluía da "aceitação" social. Desde muito nova, Carolina aprendeu a observar e refletir sobre o que via, principalmente sobre a ação das pessoas. Se perguntava porque as mulheres brigavam tanto por homens, porque todos só pensavam em bailes, e principalmente porque o branco podia tudo e o preto não podia nada.
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Em todos os capítulos há questionamentos sobre como é viver e crescer inserida em uma realidade na qual não há caminhos diferentes a não ser aceitar a "resignação com sua condição de soldo da escravidão". Mas Carolina queria mais! Por que aceitar que sua única condição de vida seria ser empregada doméstica ou cozinheira de gente rica, que tinha prazer em a humilhar?
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Ler esse livro foi importantíssimo pra que eu pudesse entender por que mesmo alcançando uma pequena ascenção social, após conseguir virar escritora, Carolina continuou se sentindo deslocada. A vida de Carolina foi construída em cima de feridas abertas.
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"A maioria dos negros era analfabeta. Já haviam perdido a fé nos predominantes e em si próprios. (...) Quando o negro envelhecia ia pedir esmola. Pedia esmola no campo. O que podiam pedir esmolas na cidade eram só os mendigos oficializados."
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regifreitas 28/06/2020

DIÁRIO DE BITITA (1986), Carolina Maria de Jesus.

A publicação de DIÁRIO DE BITITA, de Carolina Maria de Jesus, seguiu um rumo no mínimo inusual. Em 1975, a autora, ainda em vida, cedeu a única cópia do texto a duas jornalistas francesas que vieram ao país para entrevistá-la. Em 1977 Carolina morre, e o manuscrito é esquecido durante um tempo. Até que, em 1982, vem a público uma tradução para o francês da obra. Somente em 1986 o livro é finalmente publicado no Brasil. Na época a edição brasileira não deixava claro se aquele seria o texto original ou uma versão traduzida a partir do francês. Hoje, muitos estudiosos da autora acreditam tratar-se do manuscrito original.

Com BITITA, Carolina faz o fechamento do que pode ser considerada sua trilogia memorialística. Iniciada com QUARTO DE DESPEJO (1960), o sucesso editorial deste obrigou a autora a escrever a toque de caixa o CASA DE ALVENARIA (1961), cuja recepção já não foi a mesma. Enquanto o primeiro é o relato de uma mãe solteira, moradora da favela do Canindé, que sustenta seus três filhos como catadora de material para reciclagem, o segundo conta a vida de Carolina após o sucesso comercial do seu livro, o qual lhe dá finalmente a possibilidade de conseguir comprar a tão sonhada casa própria.

Já o relato de DIÁRIO DE BITITA está situado cronologicamente num período anterior aos dois primeiros livros. Através dos olhos de Bitita (apelido de infância de Carolina) acompanhamos sua vida em Sacramento (MG), sua cidade natal, desde as primeiras memórias até a adolescência e início da maturidade, quando parte rumo a São Paulo. O fascínio precoce pelas letras e o desejo de aprender a ler, o preconceito de que foi vítima desde cedo, mesmo por parte das crianças da cidade, os conflitos familiares, são temas recorrentes do diário. Muito jovem Carolina descobriu o peso de ser negra, mulher e pobre no Brasil, sentindo na pele o tratamento diferenciado dessa população por parte das autoridades.

Trata-se de um documento essencial sobre a realidade brasileira, um relato que infelizmente só confirma como as coisas mudaram pouco no país desde então.
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Pri 11/09/2020

Sensibilidade
Este livro é uma boa pedida para quem gosta de autobiografias. Carolina conta sobre sua infância em um relato emocionante, nele percebemos que mesmo com um talento espetacular ela sempre foi colocada à margem. Recomendo fortemente!
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