Ladyce 16/07/2016
“A maleta da Sra. Sinclair” é uma história contada em dois tempos: nos dias de hoje, com foco em Roberta Pietrykowski, mulher que trabalha por onze anos na livraria e sebo Old & New, e Dorothy Sinclair, sua avó, que, morando nas proximidades de Lincolnshire, Inglaterra, viveu um romance fora do casamento com o piloto de guerra polonês Jan Pietrykowski. Enquanto descobrimos as razões que levaram Dorothy a se apaixonar pelo piloto de guerra, descortinamos seu passado infeliz desde a infância, casamento e abandono pelo marido; também vamos aos poucos descobrindo a vida sem alegrias de Roberta que carrega uma paixão encruada por Philip, proprietário da livraria, sem qualquer possibilidade de reciprocidade. Roberta se submetendo, por falta de melhores perspectivas, a um “affair” com homem casado, e simultaneamente trabalha para entender o segredo da vida de sua avó, cujas mentiras sobre a família, Roberta acabara de descobrir.
Apesar do roteiro melodramático, não há proximidade emocional suficiente do leitor com qualquer personagem para que a leitura chegue a germinar sentimentos mais fortes. Nenhuma das duas mulheres, Roberta ou Dorothy, é retratada com vigor e dimensão; profundidade de caráter passa ao largo. Nenhuma tem perspectiva de melhorar a vida que leva. São quase vítimas e não são heroínas. Cada qual tem uma única preocupação ou desejo: Roberta persegue a história da família e deambula pelo cotidiano sem horizonte ou esperança. Dorothy, submissa, aceita as conseqüências de uma escolha errada no casamento e a única coisa que deseja, a ponto de obsessão, é ser mãe. Falta a ambas maior complexidade. E um foco que supere as vidas amorosas frustradas.
O foco na vida de mulheres durante a Segunda Guerra Mundial é muito bem-vindo. Este é um assunto ainda por explorar na literatura. Foi um período de grandes mudanças no papel da mulher. De repente com homens na linha do fronte aos milhares, espaço se abriu para um papel mais dinâmico, profissional e essencial das mulheres na sobrevivência dos países envolvidos. Mulheres tornaram-se bombeiros, eletricistas, enfermeiras, mecânicas. Foram em massa ao trabalho nas fábricas do mundo todo. Dorothy, no entanto, não se junta a essa grupo de mulheres da guerra. Ao contrário, ela se encolhe incapaz de ultrapassar os limites impostos pelos bisbilhoteiros do vilarejo que a cerca. Tal avó, tal neta. Nos anos 2000, Roberta também se autodestrói num romance sem futuro com um homem vinte e dois anos mais velho, cujo ponto culminante é um ato de ciúmes da esposa traída, à maneira do século XIX. Ou seja, ambas as personagens parecem ter comportamentos incongruentes com a época em que vivem.
Louise Walters é dona de um estilo narrativo claro, leve que não se perde em figuras de linguagem ou outros preciosismos. Conseguiu que eu levasse a leitura até o fim, um feito que muitos livros não atingem. E a trama interessante sugere ao leitor ponderações sobre as diferenças de comportamento entre os que viviam nos anos 30 do século passado e setenta anos mais tarde, na primeira década deste século. O que faltou ao romance foi um bom editor. Um editor à moda antiga, que questionasse a autora sobre a necessidade de alguns personagens ou até mesmo de algumas reviravoltas na trama. Menos é mais com freqüência; porque nos dá a chance de aprofundar a caracterização de época, de ambiente ou de personagem, enquanto uma linguagem um pouco mais variada traria, sem negligenciar a clareza, um vigor penetrante ao texto.
Desde “O nome da rosa”, de Umberto Eco em 1980, “A sombra do vento” de Carlos Luiz Zafón (2001), da série de Harry Potter, anos 2000; e de filmes como “Mensagem para você” (1998), “Um lugar chamado Notting Hill” (1999), e dezenas de outras obras, que livrarias e bibliotecas têm sido ambiente ou até mesmo personagem de histórias populares escritas ou filmadas. Digamos que é fruto do Zeitgeist (‘Espírito da época’). Gente que lê e que escreve em geral tem simpatia por bibliotecas ou livrarias. Mas, justamente porque é uma assunto corrente, me pareceu um excesso da trama ter Roberta Pietrykowski trabalhando numa livraria. Com poucas modificações, ela poderia trabalhar num açougue ou numa agência de banco. A mim, me pareceram nulas as conexões dos livros citados por ela e variações na trama. Teria sido apenas um atrativo para o leitor que se delicia com referências a autores ou listas de obras interessantes?
Aqui estão alguns dos livros citados:” Jane Eyre” de Charlotte Bronte, “Madame Bovary” de Gustave Flaubert, “A morte do coração” de Elizabeth Bowen, “Narciso Negro” de Rumer Godden, “ O deus das pequenas coisas”, de Arundhati Roy, “A Bouquet of Barbed Wire”, Andrea Newman, “Os homens são de marte e as mulheres de Vênus”, de John Grey, “Circle of Friends” de Maeve Binchy. E um livro de Agatha Christie que agora me foge o nome.
“A maleta da Sra. Sinclair” é um livro leve, de leitura fácil que satisfará quem procura por passatempo de fim de semana e que não espera de suas leituras mais do que o texto lhes dá. Entretenimento.