Aline Memória 15/12/2010
O polêmico Saramago...
Em Caim, Saramago reconta partes do Antigo Testamento da Bíblia, a partir de sua perspectiva carregada de críticas e ironias. A história começa com a gênese da Terra, mostrando o processo de criação por Deus. Deus, no livro, assemelha-se mais a um humano do que a um deus propriamente dito, tem os sentimentos de um homem, como os antigos deuses gregos. É uma figura orgulhosa e, na visão de Saramago, cheio de defeitos, que gosta de testar a fé dos homens, e é até colocado de um jeito caricaturesco.
A partir daí, Saramago reconta a história de Adão e Eva, e de quando eles tiveram seus dois filhos, Caim e Abel (o terceiro, Set, apenas é mencionado). Nessa parte, o que mais me chamou a atenção foi quando Eva voltou aos Jardins do Éden para tentar conseguir comida, e pediu ao anjo Azael que estava de guarda. Percebe-se então uma atração entre os dois, o que não é mais explorado até quando é insinuado que Abel seria filho do anjo, e não de Adão.
Quando Caim mata Abel, ele culpa ao senhor, e não a Abel. Assim, o senhor aparece para ele e acusa-o de ter matado Abel, mas Caim começa a discutir com o senhor – o que quase sempre acontece quando os dois se encontram, e Deus chega a admitir que possuía culpa sim, pela morte de Abel, pois ele aceitou o sacrifício dele e não aceitou o de Caim, deixando-o com inveja do irmão.
Várias passagens da Bíblia são recontadas, e as críticas de Saramago a Deus são constantes. As críticas se fazem principalmente por dois motivos: seu temperamento vingativo, como quando destrói inteiramente as cidades de Sodoma e Gomorra porque algumas pessoas o estavam desobedecendo, ou quando mata os homens que adoravam a figura de um bezerro de ouro.
“Caim mal podia acreditar no que os seus olhos viam. Não bastavam sodoma e gomorra arrasadas pelo fogo, aqui, no sopé do monte sinai, ficara paatente a prova irrefutável da profunda maldade do senhor, três mil homens mortos só porque ele tinha ficado irritado com a invenção de um suposto rival em figura de bezerro, Eu não fiz mais que matar um irmão, e o senhor castigou-me, quero ver agora quem vai castigar o senhor por estas mortes, pensou caim.”
O outro motivo é o constante uso que Deus faz de testes de fé com os homens, como o que ele faz com Jó, destruindo todas as suas propriedades, sua família e sua saúde, para testá-lo. Ao criticar a atitude de Deus em testar Abraão, ordenando-o que sacrificasse seu filho, Saramago faz a crítica mais ferrenha a Deus:
“Quer dizer, além de tão filho da puta como o senhor, abraão era um refinado mentiroso, pronto a enganar qualquer um com sua língua bífida”
Saramago é um escritor polêmico e se você, como eu, queria saber porque a Igreja tanto o criticava, leia Caim e saberá.