Tuts
06/09/2021Leitura proveitosaO livro se trata da ideia do autor, que é filósofo e elaborou uma tese a respeito da sociedade que vivemos hoje em dia, a dita sociedade do cansaço.
Gostei bastante das ideias e concordei com a maioria delas, e fez bastante sentido, e considero essa leitura essencial para entender o mundo que vivemos hoje.
Não tem como comentar sem falar das ideias do autor, portanto, não é interessante ler essa resenha sem ter lido o livro.
Então, vamos lá, irei comentar.
Aqui ,o autor começa relacionando as principais enfermidades de cada época. A época bacteriológica, em que se havia uma preocupação muito maior com os problemas físicos do corpo, e a era atual, movida pelos transtornos mentais. Detalhe, vejam o que o autor cita na primeira página do livro :
"Apesar do medo imenso que temos hoje de uma pandemia gripal, não vivemos numa época viral"
O livro foi escrito bem antes da pandemia de COVID, mas o autor já meio que "previa isso", rs.
Enfim, ele relaciona esses dois aspectos de uma forma muito inteligente. A gente tem a ideia pré-estabelecida de que tudo de ruim é NEGATIVO, e surge daí. Mas a obra vem pra espancar de vez essa questão. O autor, de forma muito esperta, refuta muito bem essa ideia. Para ele, o excesso de positividade que recebemos hoje em dia é o que causa todos os nossos problemas neuronais, como depressão, TDAH, e síndrome de burnout. A ideia falaciosa de que podemos fazer tudo, de que tudo depende exclusivamente da gente e que devemos afastar 100% tudo que é negativo nos gera frustração quando não conseguimos. Sob essa ótica, o autor relaciona que vivemos como um sistema imunológico, afastando tudo que nos é estranho, e às vezes esse estranho nem mal nos causa. Perde-se também a ideia de alteridade, já que temos a tendência de repelir tudo que é diferente. Na minha opinião, a alteridade nunca esteve muito em voga na sociedade, já que acredito nas ideias de Hobbes, que o homem nasce com a tendência à maldade, e não aceitação. O autor ainda relaciona isso muito bem ao contexto político, ao traçar o paralelo com as fronteiras, já que o mundo imunológico, por assim se dizer, segrega as pessoas, por cercas, trincheiras e muros, provando a ausência de alteridade. Brilhantemente, o autor ainda faz uma analogia à vacinação, na qual se insere fragmentos do outro, onde há uma violência para não provocar uma violência ainda maior. Para ele, o mundo atual está se degenerando devido à escassez das negatividades, e excesso de positividades. Isso em lembra os livros de auto-ajuda, que promovem que a pessoa é capaz de tudo, mas não fornecem meios, e sim respostas fáceis para absolutamente tudo, e também não dialogam com as coisas negativas da vida. Uma coisa importante é que a violência da positividade não aparenta ser ruim, ela se vende como algo extremamente bom, e o problema reside ai, ela é mais difícil de ser combatida.
Antes vivia-se numa sociedade disciplinar, no modelo do panóptico, de acordo com Focault, o tal "vigiar e punir". Mas agora vive-se no extremo oposto, visto que a própria pessoa é patrão e emprego, senhor e escravo, de si mesmo. A pessoa se explora visando um suposto automelhoramento, uma espécie de liberdade. Para o autor, isso configura uma liberdade paradoxal, em que pensa-se haver mais liberdade, só que na realidade há cada vez menos. Isso me lembra os motoristas de uber, que não possuem legislação trabalhista e precisam trabalhar cada vez mais e mais, numa batalha incessante contra si mesmos, para produzirem cada vez mais viagens, sem garantia nenhuma. Vive-se numa sociedade do desempenho, do você precisa fazer, e quando não fazemos , nos sentimos culpados. Você, que está lendo essa resenha, acha isso normal? Pois é, eu também não.
Um dos fatores que contribui para isso é o excesso de estímulos, de coisas para fazer, de listas de 50 coisas para fazer no final de semana, de como otimizar o tempo , de vídeos acelerados(que eu não consigo assistir), de um excesso de coisas que fomentam o chamado multitasking, que significa multitarefa. Basicamente, fazer várias coisas ao mesmo tempo. O que, para o autor, é uma lógica burra e primitiva, pois remonta aos homens das cavernas , que faziam várias coisas simultaneamente para sobreviver. E eu concordo totalmente. Isso fic a bem claro quando vejo pessoas que nem assistem mais vídeos na velocidade normal, que fazem leitura dinâmica, que assistem filme mexendo no celular, dentre outras coisas. A pessoa se preocupa com a quantidade do que com a qualidade. De que adianta ler 1.000 livros e não absorver nada deles, esquecendo tudo? Prefiro ler 10 livros, absorvendo o conteúdo. Deve-se frear essa lógica fetichista da aceleração sem precedentes, e viver a vida não totalmente ativa, como o autor cita que vive-se hoje, e sim buscando o equilíbrio. Além disso, hoje as pessoas rejeitam totalmente a lógica do tédio, precisam sempre estar fazendo algo. Nem que seja 5,10 minutos só descansando , refletindo(será que ainda existe isso hoje em dia?), graças a essa aceleração sem freios da vida urbana.
O autor também tece várias críticas ao livro "Vida activa", de Hannah Arendt, já que ela supunha que hoje em dia haveria uma vida passiva, quando que para o autor é o extremo oposto, já que as pessoas estão cada vez mais hiperativas. No entanto, essa hiperatividade talvez seja, paradoxalmente, uma forma extremamente passiva de se fazer as coisas, que não admite mais nenhuma ação livre, permeada pela automação de todos os processos.
O autor ainda menciona do doping cerebral, que se relaciona ao uso constante de medicamentos para melhoria da produtividade. Ressalta ainda a ausência das celebrações no dia a dia, já que elas "atrapalham" a produtividade. O autor conclui dizendo que perdemos a liberdade numa lógica mercantil e fetichista, e também a capacidade se de admirar com as coisas.
A resenha ficou enorme, mas espero que tenham gostado, gostei bastante desse livro, me acrescentou muito, só achei bem repetitivo em alguns momentos, por isso a nota 4. É isso :)