Renan Barcelos 16/02/2016
Star Wars Por Obrigação
Lançado como parte da série “Jornada para Star Wars: O Despertar da Força”, Estrelas Perdidas é o primeiro livro Young Adult do novo cânone da saga e também o primeiro trabalho de Claudia Gray, uma veterana no gênero, dentro do legado de George Lucas. De premissa simples, uma típica história de romance à la Romeu e Julieta, Estrelas Perdidas tenta encaixar o casal de protagonistas dentro da guerra entre a Aliança Rebelde e o Império. O resultado é uma história leve e com um romance até mesmo agradável, mas desprovida de drama, fragmentada demais e encaixada às pressas no universo de Star Wars.
A trama mostra as vidas de Thane Kyrell e Ciena Ree, dois jovens de classes sociais diferentes nativos do planeta Jelucan que sonhavam e entrar para a Academia Imperial e pilotar caças de combate. Ajudando um ao outro desde os oito anos de idade, a dupla consegue ingressar na Academia Imperial com louvor, onde acabam sempre estando entre os melhores da turma e, quando se formam, entre os mais competentes oficiais. Conforme envelhecem, o interesse romântico entre os dois se desenvolve, aspecto que é explorado de forma bem natural, sem parecer muito forçado. No entanto, devido a opiniões políticas divergentes, Thane Kyrell deserta do Império e eventualmente se torna um membro da rebelião. A partir daí o casal acompanha eventos da guerra mostrados nos filmes clássicos enquanto eventualmente se encontram um com o outro, mas agora em lados opostos do conflito galáctico.
Mesmo que o relacionamento entre os dois protagonistas seja tratado de forma crível, o mesmo não pode ser dito de suas convicções políticas. Enquanto Thane parece ter bons motivos para ingressar na rebelião, motivos que, inclusive, vão além da noção maniqueísta de que o Império é mau e os rebeldes lutam pelo bem, os motivos de Ciena Ree continuar a servir ao Império nunca deixam de parecer forçados. Do inicio ao fim a personagem fica presa em noções bobas de lealdade e honra que, apesar de serem contextualizadas através do costume de sua cultura, nem por isso deixam de soar extremamente infantis e vãs.
Com o tempo Ciena nem mesmo consegue encontrar alguma justificativa para os atos do Império, mas ao mesmo tempo constantemente reclama dos rebeldes haverem destruído a Estrela da Morte após a estação explodir um planeta inteiro sem provocação e então rumar para aniquilar todos os rebeldes sem pena alguma. Faltou para a história coragem de tentar mostrar um personagem que, mesmo sem ser mau ou alienado, acredita que o Império é a melhor opção por motivos bem delineados.
Ao longo de sua história, Estrelas Perdidas apresenta o crescimento dos protagonistas da infância à idade adulta de uma forma aceitável para seu gênero e proposta. Eles têm suas personalidades apresentadas bem o suficiente para que não incomode o leitor e ele consiga se conectar com suas vidas. Por outro lado, no que toca aos personagens secundários, a obra falha miseravelmente. Mau desenvolvidos, sem personalidade e apáticos. Podem ser descritos com umas poucas palavras e seguem apenas comportamentos genéricos e, em geral, sem propósito algum.
Este problema afeta até mesmo os poucos personagens conhecidos de Star Wars, que mal se pode dizer que realmente participam, antes, vez ou outra fazem uma ponta na história. Sem conhecimento prévio de como eles são, Tarkin, Mon Mothma e outros, com exceção, talvez, de Darth Vader, parecem extremamente vazios e sem sentido. Coisa que também afeta as diversas raças alienígenas. Nomes de espécies são lançados a torto e a direito sem qualquer contextualização ou descrição de que aquilo de fato se trata de outro povo. Entre jelucanos, sulustanos, wookies e corellianos, como alguém que não é experiente na saga de George Lucas saberia do que está sendo falado? O leitor médio de Star Wars sabe como se parece um sulustano e que corellianos são humanos nativos do planeta de Corellia e não algum tipo de bicho esquisito? Quem leu apenas Estrelas Perdidas e viu os filmes certamente não faz nem ideia.
Mas isso nem chega a ser o maior problema na obra. O maior fracasso de Estrelas Perdidas está em sua narrativa fragmentada. A passagem de tempo entre um evento e outro é tão grande que a história parece completamente desconexa. A intenção pode ter sido boa; de fato, a premissa de mostrar mais de uma década das vidas dos personagens enquanto eles crescem e tomam caminhos diferentes é um bom ponto de partida. No entanto, para atingir o seu objetivo com eficácia, seria necessário uma série de livros, não apenas uma obra que mais parece um resumo de uma história que poderia ter sido melhor. Talvez um seriado fosse mais adequado para a proposta do livro de Claudia Gray.
É engraçado pensar que boa parte do esforço do livro foi para mostrar a infância e o tempo de academia militar do casal de protagonistas. Decerto são bons momentos para estabelecer suas personalidades e demonstrar a forma como podem evoluir ao longo da obra, contudo, são os momentos de sua vida adulta que deveriam ser mais interessantes e bem trabalhados. Mas ao invés de trazer os personagens vivendo na galáxia enquanto oficial imperial e membro da Aliança Rebelde, Claudia Gray vai mostrando a conta gotas os eventos bem apresentados nos Star Wars, praticamente apenas mencionando a sua existência e mostrando – ou melhor, contando com muita brevidade – como os personagens fizeram alguma coisa pouco interessante durante batalhas famosas.
Exemplo de tal problema estrutural e narrativo é a Batalha de Jakku, acontecimento pós-Episódio VI e ainda não explorado em outras obras, mas que aparece com tamanha brevidade no livro que chega a ser frustrante. Antes não fosse mostrado, pelo menos o “Jornada Para Star Wars: O Despertar da Força” pareceria menos forçado e picareta.
No fim das contas, Estrelas Perdidas é um livro que pode até tentar, mas passa longe de oferecer uma história de qualidade. É possível aproveitar a leitura por ser leve e tranquila; no entanto, os fãs de Star Wars vão encontrar uma obra insatisfatória por parecer inserida na saga de forma forçada, fazendo apenas menções esparsas e preguiçosas à galáxia muito muito distante como que por obrigação. Enquanto isso, os que apenas buscam um livro para relaxar e nunca consumiram outras obras de Star Wars encontrarão personagens estranhos, eventos incompreensíveis e uma história quase sem sentido. A dúvida que paira é: para quem – e para que – Estrelas Perdidas foi escrito, afinal?
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