Bruno 06/10/2009
Apesar de ser superior, não é tão tocante como Neve.
Uma coisa interessante na arte em geral é que a qualidade técnica do artista - e da própria obra - não é um fator determinante para a sua qualidade artística como um todo. Em "Meu nome é Vermelho", Pamuk mostra porque mereceu o Prêmio Nobel ao esbanjar virtuosismo, erudição e densidade literária. Isso, entretanto, não significa que "Meu nome..." seja melhor do que "Neve", ao menos na minha opinião. "Neve", apesar de mais singelo, é mais intenso. Seus personagens são mais humanos, não são máquinas de racionalizar sentimentos, como ocorre neste livro. Ainda assim, não dá pra dizer que o livro não é uma obra-prima. Para quem gosta de arte e para quem se interessa pela cultura islâmica, "Meu nome é Vermelho" é uma dádiva. Me parece que o parágrafo abaixo, que remete ao personagem Negro (o qual me parece, muitas vezes, o alter-ego de Pamuk), traduz muito bem o espírito do autor e de sua obra:
"A esta altura vocês já devem ter compreendido o seguinte: as pessoas como eu, isto é, aquelas que acabam fazendo da paixão e suas agruras, da prosperidade e da miséria simples pretextos para uma eterna e absoluta solidão, não são capazes nem de grandes alegrias nem de grandes tristezas na vida. Não é que não compreendamos os outros, quando os vemos conturbados, ao contrário, reconhecemos plenamente a profundidade dos seus sentimentos. O que não apreendemos é a natureza dessa espécie de perplexidade que sentimos então dentro de nós. E esse sentimento, que permanece mudo, tende a tomar, nessas ocasiões, em nosso coração e em nosso espírito, o lugar da alegria ou da tristeza."
E aqui segue outro trecho em que um de seus personagens, um miniaturista turco do final do século XVI, divaga sobre os impulsos que movem o artista e acaba tocando na essência do que seria a arte em si mesma:
"O que nos atrai na caligrafia, na pintura ou no desenho faz parte desse medo que temos de ser punidos. Se nos debruçarmos sobre o nosso trabalho de sol a sol, continuando noite adentro à luz de vela, a ponto de ficarmos cegos, se nos sacrificamos assim pela pintura e pelos livros, é menos por causa dos favores ou do dinheiro, do que para escapar da comunidade e dos seus rumores. Mas, paradoxalmente, também desejamos o reconhecimento, por esses mesmos homens que evitamos, das nossas criações mais inspiradas. E se eles nos acusam de blasfêmia... Ah, que sofrimento isso traz ao artista verdadeiramente talentoso! Mas a verdadeira pintura está oculta na angústia que não se vê e muito menos se cria, está contida na imagem que, à primeira vista vão dizer que é ruim, incompleta, ímpia ou herética. O verdadeiro miniaturista sabe que tem de chegar a esse ponto, mas ao mesmo tempo teme a solidão que estará lá à sua espera. Quem pode aceitar uma vida tão atroz, tão angustiante como essa?"
Certamente é um livro que exige dedicação por parte do leitor. Mas acredito que aquele que estiver disposto a entrar no universo de Pamuk será altamente recompensado.