MiCandeloro 16/01/2016
Incrivelmente real, sofrido e sombrio, mas mágico e lindo!
Acredito que todos vocês conheçam a história de A Bela Adormecida, certo? Crescemos ouvindo falar sobre uma princesa que foi amaldiçoada em seu nascimento e que, na adolescência, furou o dedo numa roca de fiar e caiu num sono profundo por anos, para ser acordada depois, por meio do beijo do amor verdadeiro de um príncipe. Muitas meninas suspiram por histórias assim, desejando ser salvas por um bravo guerreiro, montado em seu cavalo branco.
Se formos pesquisar pelos contos de fadas e suas origens, vamos descobrir que a grande maioria foi baseada em fatos reais e teve as suas tramas distorcidas e aumentadas com o passar do tempo. E se o que houve com Bela aconteceu de verdade, teria sido permeada por magia, como mandava o figurino, ou no fundo, nada do que sabemos hoje de fato se sucedeu?
Segundo Elise, tudo não passou de conversa para criança dormir. O horror ocorrido naqueles tempos a muito havia se perdido por razões fáceis de se explicar. Entretanto, quando sua bisneta encontrou em seus pertences objetos velhos e caros, questionando-a de como uma mulher de um mero comerciante podia deter tais posses, Elise decidiu lhe contar a verdade sobre a origem deles. No final da vida, não mais podia sustentar o peso de tudo o que tinha vivido dentro das paredes de pedra do castelo onde viveu, responsáveis por selar o seu destino. Resignada, sentou-se na cama com Raimy e pôs tudo para fora.
Era uma vez...
Elise era um jovem, filha de camponeses, que tinha uma vida muito sofrida ao lado dos irmãos que só conheceram o peso do trabalho árduo. Acostumada a morar num pequeno casebre e a passar fome e frio no inverno, nunca almejou nada além de suas parcas possibilidades, até a família ser acometida pela mortífera varíola, a deixando órfã. Apesar de serem muito pobres, a mãe de Elise fez questão de educá-la com refinamento e a ensinou a ler e a escrever. Seus conhecimentos deviam-se ao período em que trabalhou como costureira no castelo do reino. No leito de morte de Mayren, Elise viu a oportunidade de seguir os passos da mãe e ser motivo de orgulho para a falecida.
Sua única esperança era a tia Agna, a quem foi procurar em St. Elsip. A tia, que nunca havia conhecido, não só lhe deu abrigo, como lhe forneceu roupas e sapatos novos, lhe possibilitando condições mais dignas para se apresentar no castelo e pedir por um emprego. Lá, foi recebida pela Sra. Tewkes, antiga amiga de sua mãe, que lhe designou como camareira. Para Elise, essa era a realização de um sonho, mas mal sabia ela que a sua sorte ia mudar tanto, desde então.
Em decorrência de sua dedicação, discrição e bom trabalho, atraiu o olhar da rainha e foi determinada a servi-la, como a sua criada pessoal, sendo invejada e mal falada por muitos. A jovem, que sabia ser ambiciosa e vaidosa, não podia estar mais satisfeita com o rumo que havia tomado.
Estando constantemente próxima dos seus soberanos, Elise presenciou o sofrimento da rainha Lenore na tentativa infrutífera de dar um herdeiro ao rei Ranolf. O trono corria o grave risco de ser usurpado pelo príncipe Bowen, o próximo na linha sucessória da família real. Desesperada com a chance de se ver deposta, ou governada por um homem prepotente e displicente, a rainha recorreu a tudo o que estava ao seu alcance. Prestes a desistir, viu uma luz no fim do túnel na ajuda oferecida por Millicent, a tia de Ranolf.
Misteriosamente, a soberana de fato engravidou e, durante a gestação, a tia velha se tornou cada vez mais presente, irritando o rei, que se sentia acuado, temendo ver a sua esposa sendo manipulada por quem sempre almejou o poder. No nascimento do bebê, decidiu, de uma vez por todas, banir Millicent dos seus domínios, transformando-a em sua maior inimiga.
No batizado da filha, que recebeu o nome de Rosa, todo o reino foi amaldiçoado por aquela que jurou vingança e a morte da família real. Desde então, o rei e a rainha nunca mais foram os mesmos. Envoltos num medo que só fazia crescer, de perder a filha amada, tomaram atitudes que um dia iriam se arrepender para o resto da vida. Presenciando o sofrimento de seus amos, e tocada por um amor, que não podia explicar em palavras, por aquela criança inocente, Elise prometeu nunca sair do lado da realeza e declarou que iria defendê-los custasse o que custasse.
Mas o que uma simples serviçal poderia fazer para que o reinado fosse poupado da ira de uma bruxa má?
Querem saber o que vai acontecer? Então leiam!
***
Meu interesse por Enquanto Bela Dormia surgiu depois que li o # Esquenta!, elaborado pela Laís, do Recanto da Mi. Sua pesquisa a respeito da fábula e das origens desse livro foram tão detalhadas e instigantes que decidi conferir o que a autora havia inventado, mas nunca poderia ter estado preparada para o que ia encontrar no decorrer dessas páginas.
Devo começar elogiando a criatividade da Elizabeth ao recontar essa história pelos olhos de quem acompanhou tudo de perto: uma criada. Nesse sentido, a autora precisou elaborar um enredo paralelo ao conto original para dar vida à Elise e a tudo o que estava relacionado a ela. Desse modo, temos um conteúdo vasto, rico e complexo nessa obra tão original.
Narrado em primeira pessoa, nos deparamos com Elise revelando o seu passado à sua bisneta, iniciando com o relato sobre a sua infância para ambientá-la sobre o porquê era tão importante para ela servir à família real e, ao passar dos anos, vamos acompanhando-a na ascensão do seu cargo e de tudo o que ocorria dentro dos portões daqueles muros de pedra claustrofóbicos.
Elise é uma personagem tão apaixonante que, rapidamente, roubou os holofotes para si e me vi curiosa para descobrir a respeito da sua vida, não dando tanta importância aos demais acontecimentos que ocorriam a sua volta, claro, até o castelo virar de pernas para o ar por conta da silenciosa e eterna ameaça de Millicent.
Para quem espera encontrar uma pitada de magia e bruxaria no texto, com Millicent se transformando em dragão e tendo um corvo de estimação, como nos filmes da Disney, esqueçam, pois Elizabeth se utilizou apenas de possibilidades lógicas, plausíveis e verossímeis para compor a sua trama, tornando-a ainda mais especial.
A magia com a qual somos arrebatados se dá por conta da sua própria escrita, que nos transporta para a idade média, nos deslumbrando com o luxo e a ostentação dos nobres, ao mesmo tempo em que nos emociona com o sofrimento daqueles mais humildes, nos fazendo temer uma época na qual era tão difícil de sobreviver.
Ao contrário do que vocês possam imaginar, Enquanto Bela Dormia não é um livro romântico ou fofo, muito menos é focado no amor entre um príncipe e uma princesa, como de costume nos contos de fadas. Trata-se de uma história pesada, intensa e dramática, que aborda o quanto somos suscetíveis ao medo, que nos enfraquece e nos leva a fazer escolhas das quais podemos nos arrepender para o resto da vida e com as quais teremos que lidar, por bem ou por mal.
Na medida em que ia avançando na leitura, meu coração palpitava, eu suava frio e só ficava pensando "não acredito!", enquanto cada segredo era revelado. Mas quando cheguei ao final, minha nossa senhora da bicicletinha! Ainda não acredito que Elizabeth fez o que fez, e só posso dizer que ficou simplesmente GENIAL!
Após terminar, fiquei com uma ressaca das brabas, sem conseguir me desconectar dos personagens que me farão tanta falta. A autora foi tão magistral em seu texto que me fez acreditar piamente que tudo o que ali foi escrito de fato aconteceu. Acho que nunca mais vou conseguir encarar o conto de A Bela Adormecida com os mesmos olhos.
Fico tão chateada quando seguidamente leio livros incríveis que, por não ganharem o devido destaque na blogosfera, não deslancham, e tenho receio de que isso aconteça com Enquanto Bela Dormia. Portanto, eu digo, LEIAM, e embarquem nessa aventura sombria que lhes mostrará até onde alguém é capaz de ir para proteger e salvar aqueles que ama. Só lembrem, nem sempre na vida existe o "felizes para sempre"!
"Nenhum de nós pode saber do que é capaz até ser posto à prova."
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