TMLQA 17/07/2015
Fomos traídos, terrivelmente, pelos filmes de James Bond assinados por Cubby Broccoli. Sean Connery talvez tenha captado algo da frieza dada por Ian Fleming a seu protagonista, mas havia, desde o início, certa resistência em levar as coisas com demasiada seriedade, e a ironia sucinta de Connery posteriormente daria lugar à sobrancelha arqueada de Roger Moore. Cassino Royale, a primeira história de James Bond, foi originalmente filmada apenas como uma paródia estrelada por David Niven, mas recebeu uma adaptação mais séria em 2006 com Daniel Craig na pele do agente britânico. Tudo no romance – desde o maniqueísmo da Guerra Fria até a exótica mistura de abacate e vinagrete que Bond escolhe como aperitivo nos cassinos do norte da França – é reminiscente dos anos 1950, época em que o livro foi escrito.
O enredo é simples, quase elementar. O vilão é Le Chiffre, espião russo que perde dinheiro da KGB na França e tenta recuperá-lo nos cassinos locais. Na qualidade de melhor jogador do Serviço Secreto, Bond é despachado para Royale-les-Eaux a fim de derrotar Le Chiffre e sua gangue nas mesas de jogo. A narrativa inclui um atentado contra a vida de Bond, um jogo de bacará com 25 páginas de duração, uma perseguição de carro, uma grotesca tortura adoravelmente descrita e um resgate. Os capítulos finais são dedicados ao relato curiosamente extenso da convalescença de Bond ao lado de Vesper Lynd, a primeira “Bond girl”, e culminam num gratuito arroubo de traição e misoginia. A prosa é austera e sucinta, e certos detalhes, profundamente fetichistas (a certa altura somos agraciados com a receita exata para o martíni preferido de Bond). Somente nas descrições dos jogos e das torturas, temas diletos do autor, é que a prosa ganha rédeas livres. Fora isso, o livro tem o mesmo aspecto do rosto de seu herói: “taciturno, brutal, irônico e frio”.