spoiler visualizarJúlia 16/05/2020
Tender is my Waltz
Um prato cheio para os já familiarizados com as obras de Scott Fitzgerald, e para os que amam literatura em formato de cartas. Por serem escritores tão talentosos, as cartas trocadas por Scott e Zelda têm um quê poético tão grande que por vezes nos faz esquecer que se tratam de pessoas reais, e não de um casal fictício. O trabalho de pesquisa e organização realizado por Bryer e Barks é primoroso, e nos permite uma leitura leve, capaz de criar a ilusão de proximidade extrema com Scott, Zelda e Scottie. A coleção de escritos é dividida em 4 blocos: cartas escritas durante o namoro, cartas escritas durante o início do casamento, cartas escritas no período em que Zelda esteve internada em diferentes hospícios e cartas escritas no último ano de vida de Scott. Alguns dos pontos que me chamaram a atenção foram os seguintes:
1. Zelda e Scott eram ao mesmo tempo extremamente destrutivos um para o outro e ao mesmo tempo dependentes. Durante o namoro, Scott se mostrava um rapaz mais quieto, recluso e simplório, enquanto Zelda esbanjava sua popularidade e fazia questão de enciumar Scott, detalhando todos os homens que a cortejavam e o quão querida ela era por todos. No começo do casamento, quando Zelda começou a dar sinais de instabilidade mental, vemos também que Scott afundou-se na bebedeira, e talvez, se estivessem morando juntos, ambos teriam tido vidas bem mais abreviadas.
2. Scott morreu sem saber que O grande Gatsby se tornaria um clássico, adaptado para o cinema e favorito de tantos leitores ao redor do mundo. Numa carta escrita a Zelda em 19 de março de 1940, ele lamenta: "Gatsby teve de ser retirado do catálogo da Modern Library porque não vendia, o que foi um golpe e tanto." Ele também se sentia inseguro pelo fato de haver um período de nove anos entre Gatsby e Suave é a Noite, temendo que a geração nascida nesse ínterim o conheceria somente como um mero escritor de contos.
3. O amadurecimento dos dois pouco tem a ver com o tempo. Ambos morreram jovens, na casa dos quarenta, mas é perceptível a mudança de tom ao longo das cartas - mesmo que, em sua maioria, as cartas de Zelda - em especial as do período de internação - sejam imprevisíveis em termos de humor e conteúdo. Scott, em seus últimos anos de vida, tornou-se um marido mais carinhoso, totalmente dedicado ao seu trabalho - mesmo que ganhando pouquíssimo por ele - e um pai excelente, apesar do claro distanciamento emocional de Scottie com os pais. Zelda também passou da adolescente inconsequente, esposa ciumenta, paciente teimosa para uma mulher serena, doce e extremamente bucólica - ela passou os últimos anos cuidando do jardim de sua mãe e apreciando as coisas pequenas da vida, ainda que em período de guerra.
4. É interessantíssimo ver a relação do casal com outros escritores, em especial Ernest Hemingway, e poder ler as críticas de Scott e Zelda em relação ao trabalho do amigo, mais especificamente sobre "Por quem os sinos dobram". Apesar de amicíssimos, o casal não parecia muito fã da escrita de Hemingway e nutriam uma certa inveja de sua vida financeira.
No geral, foi uma leitura pouco fluida - creio que por ter sido minha primeira experiência lendo um material histórico, em formato de cartas. Contudo, gostei muito de acompanhar a vida e as emoções do casal, principalmente por gostar muito da escrita e das obras de Scott com as quais já tive algum contato. O livro deixa algumas questões para serem pensadas, em especial a acusação de Scott de que Zelda teria roubado suas ideias de "Suave é a noite" para escrever seu romance, "Essa valsa é minha". Para mim, a questão é simples: ambos são obras mais autobiográficas do que fictícias, por mais que Zelda tenha feito menos esforço para esconder. Não há como esperar menos do que extrema semelhança se Scott e Zelda tiraram inspiração do mesmo objeto: seu casamento.
Recomendo a leitura!