spoiler visualizarBrujo 07/10/2022
Robots, Empire and Foundation.
Já inicio esta resenha com algumas palavras que já irão entregar minhas impressões sobre o livro e ditar o teor das próximas linhas: este começa maravilhosamente bem, com uma premissa instigante, com uma possível redenção do Asimov quanto à suas personagens femininas, mas que nos últimos 20% do livro (aproximadamente) se perde, muda seu protagonismo e derrapa feio com um final totalmente anticlimático. Bem... vamos por partes.
Lançado em 1985, Robôs e Império é o último livro da quadrilogia dos Robôs. Situado 200 anos no futuro desde os acontecimentos de "Robôs da Alvorada", Elijah Baley já morreu há tempos, mas sua presença se faz sentir em todo o enredo, pois o seu legado foi levado à níveis talvez nunca imaginados por ele próprio: o povo da Terra passou a colonizar a galáxia, de forma mais efetiva e numerosa que os Siderais que, com toda a sua pompa, suas centenas de anos de vida e seus robôs, tornaram-se estáticos, estagnados.
Porém, dois Siderais não estão nada contentes com esta disparidade entre Colonizadores da Terra e Siderais: o rancoroso e já conhecido Dr. Kalden Amadiro, que jamais esqueceu da derrota inflingida por Elijah e o jovem e ambicioso Levular Mandamus, um descendente de Gladia. Ambos criam um plano nefasto com intuito de destruir a Terra e barrar a expansão dos Colonizadores. Porém, no caminho dos dois se colocarão alguns personagens já conhecidos e muito queridos por nós leitores desta série: a Sideral Gladia e os carismáticos robôs R. Daneel Olivaw e R. Giskard Reventlov (e seus dons Deus Ex Machina/ telepáticos... Vou falar disso adiante). Auxiliando os três, temos um descendente de Elijah chamado D. J. Baley, um personagem irrelevante. Basicamente, Giskard percebe através de seus dons que a Terra corre grande perigo e, dando um pequeno empurrão telepático, parte junto com os demais em uma jornada que vai de Aurora à Solaria e depois à própria Terra, em uma investigação recheada de diálogos primorosos que só Asimov consegue escrever. O livro em si não tem muita ação, sendo que as reflexões entre Giskard e Daneel é que ditam os rumos da aventura. Quanto à isso, nenhum problema. Os livros do Asimov nunca foram focados na ação em si, mas sim na criação de seus mundos e suas dinâmicas.
Porém, minha primeira reclamação é o uso da telepatia de Giskard: este artifício, que foi inserido no final do livro anterior de forma brilhante e muito, mas muito sutil, aqui é usado sem escrúpulos. Quem leu este livro vai concordar com isto: literalmente TODAS as ações que fazem a história de Robôs e Império andar tem um "dedo telepático" de Giskard, desde um pequeno afrouxamento das inibições de Gladia, por exemplo, chegando a extremos de apagar a memória de todos os antagonistas, começando pela filha do falecido Dr. Fastolfe, a vingativa Dra. Vasilia Aliena e terminando em Mandamus. Sinceramente, isso me incomodou um bocado, pois tirou demais o peso dos outros personagens. E essa é a minha segunda reclamação.
Gladia inicia esta história como protagonista e vemos um grande esforço de Asimov em desenvolver um arco de evolução da personagem, que passa de uma aristocrata Sideral à uma pacifista, com o objetivo de criar uma armonia entre Siderais e Colonizadores. Ela, que antes tinha grandes reservas em se aproximar das pessoas, principalmente de terráqueos, chega ao nível de discursar para milhares de pessoas na Terra, um discurso inflamado e emocionante, no trecho que, para mim, é o ápice do livro. Além disso, em outro momento, ela enfrenta de forma brilhante uma espécie de inquisição por parte do Conselho de Aurora. Alguns poderão questionar: essa é a redenção de Asimov com suas personagens femininas? Bem... Sim e não! O desenvolvimento dela de fato é o maior de todos os livros do Asimov que já li, mas ...
Em determinado ponto da trama, próximo ao fim, Asimov literalmente retira o protagonismo das mãos de Gladia, que fica esquecida em segundo plano - sequer sabemos no que resultam as suas aspirações pacifistas - e Giskard e Daneel passam a assumir os rumos finais da história, finalizando por encontrarem o esconderijo de Mandamus e Amadiro na Terra, de onde estavam prestes a dar início aos seus planos de envenenamento do planeta. A nossa dupla, depois de mais de quinhentas páginas de desenvolvimento da trama para entender e depois frustrar o plano dos Siderais, possuem em suas mãos a possibilidade de parar todo mecanismo que daria a vitória aos mesmos.... Mas Giskard DECIDE deixar as coisas acontecerem !! É isso mesmo, o ponto central do livro é justamente parar a dupla de antagonistas, acompanhamos - repito! - mais de quinhentas páginas deste enredo, para nos momentos finais Giskard aceitar o papinho do Mandamus de que o envenenamento da Terra iria acelerar a colonização da galáxia. Sério... Me senti traído com esse final. O pior de todos os livros, lidos e não lidos, do Asimov. Acho que nada que ele tenha escrito vai superar esse final... É como se eu tivesse lido esse livro para absolutamente nada!
É bom salientar que a obra tem seu valor. Primeiro porque Asimov escreve muito bem e, principalmente, por que com ele o autor visou amarrar as suas três sagas principais: Robôs, Império Galático e Fundação. Aliás, seria mais justo e honesto que o nome do livro fosse "Amarrando Robôs, Império e Fundação".
Outro ponto é que Asimov também quis remediar o que ele escreveu em seu primeiro livro, Pedra no Céu: lá ele havia criado um planeta Terra, milhares de anos no futuro, totalmente radioativo, com humanos vivendo em pouquíssimos locais ainda habitáveis do planeta. Na história, é dado a entender que esta situação se deveu à guerras radioativas, mas de alguma forma, do ponto de vista científico, isso não faz sentido (eu já li sobre qual seria este problema científico, mas não vou me dar ao luxo de tentar explicar, há matérias pela internet que possuem essa explicação) e, aparentemente, isso incomodava muito o nosso Bom Doutor, a ponto de estragar o final de um livro de mais de quinhentas paginas, apenas para explicar esta suposta incoerência.
Como última reclamação (sim, mais uma!), gostaria de citar que há no livro um grande mistério a respeito do planeta Solaria: todos os seus habitantes simplesmente desapareceram, como que por um passe de mágica. Para trás ficaram milhares de robôs, como que fazendo guarda no planeta. E, me digam, por um acaso acham que este caso foi solucionado? Pois é... Não foi, ele foi abandonado. Uma pesquisa rápida pela internet me mostrou que Asimov retomou essa questão ... Em Fundação e Terra !!! Infelizmente tive que ir contra os meus princípios e ir atrás dos spoilers, já que eu não vou ler esse livro tão cedo. Agora sei o que aconteceu aos solarianos, não graças ao autor.
De ponto positivo ficam alguns trechos maravilhosos do livro e é com alguns deles que vou encerrar esta resenha (tentativa de tirar o gosto amargo da boca, talvez?): A lembrança dos últimos momentos de vida de Elijah, que estava na presença do seu estimado amigo Daneel; os incríveis diálogos e reflexões protagonizados por Daneel e Giskard; o arco de evolução de Gladia; a "passagem de manto" de Giskard para Daneel, tornando este último uma espécie de guardião da galáxia.
Trilha sonora: Ayreon - 01011001 (2016) - trilha perfeita para leituras de Sci-fi!