Amanda 30/01/2019
Império dos Fantoches
Mais um vez eu vou começar a resenha xingando a editora brasileira responsável pelos livros, alguém na Galera Record está ficando com as orelhas vermelhas. Vai todo mundo para o inferno, seus burgueses safados.
Foi uma cachorrada dividir esse livro em dois.
Como uma boa pessoa que adora ver o mundo pegar fogo, eu fui ver as edições cadastradas no skoob dos livros anteriores, o maior deles é a Rainha das Sombras (vol.4) com 672 páginas, publicado pela Bloomsbury USA, a versão equivalente no Brasil tem 644 páginas. Analisando o livro original de Império de Tempestades, que tem 704 páginas (também publicado pela Bloomsbury USA), e usando uma regra de três básica chega-se a conclusão que a sua versão traduzida teria cerca de 674 páginas, trinta a mais que seu antecessor. TRINTA. Que na prática significariam QUINZE folhas. QUIN ZE FO LHAS!
Não feliz, eu descobri que o livro A Court of Wings and Ruins (Corte de Asas e Ruínas) foi lançado nos Estados Unidos com 707 páginas e foi publicado no Brasil também pela Galera Record em um único volume com 686 páginas, algumas páginas a mais do que o nosso livro em questão.
Agora eu pergunto, essa escolha se justifica?
E eu mesmo respondo. NÃO!!
No geral essa saga tem um preço salgado, acima da média dos livros atuais, mas a qualidade deles é inferior. Daí as editoras brasileiras tem a cara de pau de virar para mim e dizer que o mercado editorial está falindo porque o brasileiro está comprando menos livro.
Aaahh, mas não me diga!!! Por que será?
Bom, eu comprei o e-book em inglês (porque o e-book do livro em português também estava dividido - chocked but not surprised) e gastei metade do que eu gastaria em um dos tomos. E daí eu relembro o fato das editoras brasileiras estarem falindo...
Enfim... Bora falar do livro.
Sarah J. Maas implodiu a própria história. Ela jogou no lixo todo o enredo construído, pisou na criação de seus personagens e nas escolhas que fizeram ao longo da trama, tudo o que vimos, torcemos e nos frustamos ao longo dos seis volumes até aqui não passaram de um grande teatro arranjado. Ela superestimou as próprias habilidades de escrita e de criação, achando que qualquer coisa que fizesse seria aclamada pelos fãs.
Tudo o que aconteceu estava destinado a acontecer. A história iria chegar nesse ponto de qualquer jeito, independente da jornada individual de cada um, afinal, havia um débito a ser pago. Tudo foi premeditado por Elena, para pagar por seus erros do passado. Todas as ações e escolhas até este momento foram, de certa forma, manipuladas para forçar os envolvidos a seguirem pelo curso já estabelecido.
Eu não vou esmiuçar todos os pontos de manipulação dos personagens, porque senão eu não acabo essa resenha, mas tem alguns principais que valem a menção:
- Aelien ter sido encontrada por Arobyn e se tornado uma assassina foi culpa de Elena.
- A amizade de Nehemia e Aelin foi culpa de Elena, assim como a morte da princesa e suas consequências.
- Aelin ser enviada para Wendlyn foi culpa de Elena.
- Aelin ser a chave na guerra foi culpa de Elena.
Vale lembrar que metade da história do Rowan e consequentemente alguns respingos na Aelin também foram manipulados pela Maeve. Optar por esse caminho na narração tira todo o peso das escolhas dos personagens, porque através de manipulação ele foi induzido a escolher ou escolheram por ele. Todo o sofrimento que passaram e que atingiram os leitores não parece mais genuíno, foi um artifício dentro da história.
[SPOILERS A SEGUIR]
Embora eu tenha mais críticas do que elogios, nem tudo foi desperdício, o livro começou muito mais interessante do que terminou. Na PARTE UM, tínhamos três núcleos distintos e paralelos, o que garantia uma dinâmica para a leitura. Manon, Elide e Aelin eram os três pilares principais, apresentando contextos e objetivos diferentes. O núcleo da Manon foi de longe o mais interessante, a gente tinha contato com o que acontecia dentro do covil de Erawan e descobria mais sobre as próprias bruxas. Tudo mudou com o ataque a Forte da Fenda.
Desde que essa personagem foi apresenta, cada vez nós aprendemos um pouco mais sobre ela, os questionamentos sobre a própria vida e as regras que segue não vem de hoje, e foi isso que provavelmente culminou na sua escolha por salvar Dorian no ataque das bruxas a Forte da Fenda. Sim, eles tiveram uma interação interessante no livro anterior, mas não vejo como só esse rápido contato seria motivação suficiente para ir contra as ordens de sua vó. Eles mal se falaram, mal se conheciam, então ver ela matando bruxas do clã rival foi uma surpresa, mesmo que o clã fosse das Pernas Amarelas. Lógico que suas escolhas teriam consequências e assim nós tivemos contato com um pouco da política interna das bruxas, o conselho das líderes para julgar as atitudes da Manon e sua punição.
E foi em decorrência da punição dada a ela que tivemos uma das melhores cenas deste livro. Se a Manon proteger o Dorian foi uma surpresa, ela colocar a própria vida em perigo para salvar a da Asterin e as Treze não foi. Esse foi o divisor de águas na vida da bruxinha, ela já vinha desafiando os comandos do Erawan, mas agora desafiou a própria avó, se colocou entre ela e as amigas, levou uma surra, descobriu que é herdeira das Crochan (whaaat?), quase não saiu de lá com vida e eu estava urrando com as possibilidades a partir daí. E esse foi o clímax da história da Manon, as possibilidades, porque a partir da fuga, a história dela foi ladeira abaixo, em vez de continuar trilhando o próprio caminho, Manon foi jogada no núcleo da Aelin sem ter uma explicação muito convincente.
Enquanto isso, no outro núcleo tínhamos Elide indo para o norte, fugindo com uma Pedra de Wyrd no bolso do casaco, sendo caçada por seres da sombras enviados pelo tio e curiosamente esbarrou com Lorcan no meio do caminho. Esses dois podiam dar muito errado, mas deram muito certo. Mesmo que pareça, Elide não é só a mocinha em apuros (tá, às vezes ela é), ela é muito esperta e independente e o Lorcan serviu mais como força braçal. Mesmo que eu soubesse que os dois não seguiriam pelo mesmo caminho por muito tempo, eu procurava aproveitar enquanto eles estavam juntos, porque pelo bem da história, Elide deveria continuar indo para o Norte, enquanto Lorcan deveria ir para Morath atrás da última Pedra de Wyrd (o enredo tava pronto para ser aproveitado, mas Sarah tinha outros planos). Bom, não foi bem o que aconteceu, quando Lorcan descobriu que foi enganado por Aelin, e o medalhão que ele carrega não tem nenhuma Pedra escondida, ele decide ir atrás da "bitch queen" para acertar as contas. Então partimos do princípio que ele tem um total de zero Pedras e precisa recuperar uma, ele escolheu ir atrás da Aelin por pura conveniência narrativa, viria muito mais a calhar que ele fosse atrás da outra, mas nossa autora querida queria que o casalzinho tivesse mais tempo de tela, então mais uma vez, um núcleo que estava sendo legal foi entrelaçado com o núcleo da Aelin.
E então chegamos ao núcleo da Aelin. O chato! Onde todos os problemas começaram e ainda não acabaram. Para vocês terem noção, o melhor momento desse núcleo foi quando ela incorporou a Celaena para dar um susto no Rolfe. Depois de ninguém dar bola para ela no norte, ela foi para o sul cumprir ordens de Brannon (pai da Elena, lembram dela? A que manipulou toda a história até aqui!). Toda a trama dela se resume em conseguir aliados e ir atrás de uma Lock (não sei se a tradução ficou como Fechadura). E é isso... Ela vai para Baia Pirata, faz o drama queen dela, faz merdas equivalentes ao tamanho do seu ego, depois segue para Eyllwe, mais drama queen, mais escolhas determinadas pela arrogância... E assim vai...
Na PARTE DOIS do livro, os três núcleos viraram um só. As estratégias que funcionaram em livros anteriores não funcionam mais aqui, como o fato de esconder revelações ao longo da narrativa para serem reveladas no momento mais oportuno. Aelin não foi capaz de dividir seus planos com seus amigos nem com os leitores. Curioso que eu elogiei isso no livro anterior e nesse eu não suportei. Em Rainha das Sombras, foi legal não saber o que se passava na cabeça da Aelin e ficar ansiosa pensando como seríamos surpreendidos, mas nesse ela repetiu a fórmula e se esbaldou nela, então a revelação das surpresas eram maçantes. (Ainda mais quando ela tira aquele monte de aliado do cool, se fosse bem trabalhado eu adoraria ver todos eles, mas a autora força as situações da maneira mais ridícula possível - o que foi aquela carta mal educada que ela envia para o príncipe de Wendlyn? E ele veio correndo.)
Aelin passou o livro inteiro agindo como se o mundo girasse ao redor do umbigo dela, arrogante até com amigos próximos, a única dona do saber e agia como uma "irritante sabe-tudo" o tempo todo (menos cinco pontos para a Grifinória). Ela é uma ótima estrategista, uma baita assassina, mas não entende nada de guerra, ela tinha o primo, o Rowan, Fenrys e Graviel, mas nenhuma vez pediu conselhos de guerra ou deixou que eles falassem. A única vez que isso aconteceu foi porque o Aedion já estava de saco cheio e deu uns cala bocas na Aelin e ela teve que aceitar.
Manon caiu de paraquedas nesse núcleo, ou melhor caiu do Abraxos, que não sei como achou o navio da Aelin no meio do oceano e que carregava uma Manon inconsciente depois da fuga dela de Morath. A partir daí ela virou uma mosca morta, Manon poderia ter tentado rastrear as Treze, poderia ter ido atrás das Crochan, poderia ter um desenvolvimento mais profundo sobre os olhos de ouro que ameaçam os Valgs, mas não... Ela aceitou de bom grado ser prisioneira da Aelin, não ficou tramando nada dentro da cabecinha dela e aceitou uma posição de coadjuvante que definitivamente ela não tem... Aah sim, ela estava muio ocupada imaginando como seria fazer o Dorian implorar por prazer, ponto alto da vida da bruxa, aposto, ficar por baixo durante o sexo, porque NOSSA, como o Dorian é especial.
Elide foi outra que se juntou com esse núcleo com o único propósito de entregar para Aelin a Pedra de Wyrd que carregava, ela poderia ter ido para o norte, a gente iria ficar sabendo como andavam os preparativos para a guerra, a política e as alianças de Terrasen, ela seria parte da resistência lá, teria a força de ser a Lady de Perranth e ainda estaria com a Pedra, que seria entrega à Aelin no momento certo, mas não... Virou outra coadjuvante.
Assim eu fecho os problemas do enredo. Mas você acha que os problemas acabaram? Não!!
A autora levou o ditado "o que é um peido para quem já está cagado" muito a sério, e não feliz em invalidar todo o enredo central da história até aqui, ela resolveu que iria bagunçar as bases amorosas também. Eu tenho problemas com o Rowan desde que ele foi introduzido na saga, eu tive ainda mais problemas quando ele foi pintado como interesse amoroso da Aelin e eu definitivamente tenho muitos problemas quando ele foi forçado por nossas gargantas. Mas fazer Aelin e Rowan mates/parceiros foi a gota d'água! Isso os tornou um casal definitivo, eles estão destinados a estarem juntos e amarem um ao outro desde sempre, e isso significa que o romance da Aelin com Dorian e Chaol nos primeiros volumes da história estavam fadados ao fracasso antes mesmo de começarem.
No bom português, fomos feitos de palhaços todo esse tempo.
Sarah também perdeu o fio da meada com diversos personagens, Dorian está irreconhecível, ele deveria ser o idealista convicto que nos foi apresentado no primeiro volume, o Rei pé no chão que se importa com o povo, que valoriza o outro, que pensa no bem estar de todos, que vai abrir mão do próprio conforto e segurança pelo próximo... Eu não consigo acreditar que, mesmo após as experiências traumáticas pelas quais passou, ele tenha virado alguém tão fútil e bocó. Ele não se impõe nas decisões, a única vez que ele contestou a Aelin foi pela Manon, e né... Era porque ele queria transar com ela. O Dorian é um Rei, foi criado para ocupar essa posição, e não tem nenhuma aliado para recorrer nesse momento? Não deu nenhum pitaco na guerra? A única coisa que passava pela cabeça dele era qual seria o sabor dos peitos da Manon, é sério isso, Maas?
E falando em peitos, me lembra que preciso falar sobre os momentos constrangedores, ou qualquer situação que envolvam um casal (hétero - claro) que querem se pegar. Uma dose de sensualidade e safadeza é sempre bem vinda, mas aqui tá beirando o "Cinquenta Tons de Erilea". Toda personagem mulher tem um interesse amoroso, não posso dizer o mesmo para os machos, porque não tinha mais mulher sobrando na história, mas se tivesse mais alguém com certeza teríamos outro casal.
Sarah mudou muito a voz dos personagens ao longo da saga.Vocês conseguem imaginar o Dorian do livro1 dizendo para a Celeana que quer experimentar cada centímetro do corpo dela? E isso tudo de forma bem explícita. Aonde fomos parar? Acho que isso entra um pouco na área de coerência narrativa. Tá, que já é o quinto volume da saga, e talvez essa introdução da sexualidade seja para mostrar que os personagens estão crescendo e amadurecendo, mas rompe uma estrutura criada na própria história. No livro1 a gente sabe que o Dorian é um galanteador e tem experiências com outras mulheres e gostaria muito de ter a Celaena em sua cama, mas não precisou apelar para a baixaria para a gente entender a mensagem. Quando Celaena ficou com o Chaol, a gente entendeu tudo que os dois estavam fazendo sem precisar narrar todos os detalhes. Além de narrar tudo, foi de uma maneira de péssimo gosto, resumindo: relâmpagos, areia transformada em vidro e árvores arrancadas do chão porque o Rowan e Aelin gozaram... Sem esquecer que esses livros ainda são YA, que crianças lêem.
Acho que essa resenha se alongou mais do que deveria, e eu teria mais coisas para reclamar, mas vou poupar a fadiga. Como eu já cheguei até aqui, provavelmente lerei os dois próximos. Espero que melhores.
ps: Chaol, um dos protagonistas do começo da saga foi esquecido no churrasco.