antuan_reloaded 22/05/2023
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Munida de uma escrita lacônica, Carolina Maria de Jesus apresenta ao leitor em "Quarto de Despejo" o seu cotidiano na favela do Canidé. Ao fazer isso, constrói uma obra única, envolta por uma camada explícita de denúncia social.
Num primeiro momento, é recorrente o sentimento de indisposição da autora. Além disso, as intrigas das vizinhas ocupa boa parte do relato. Depois, há uma mudança brusca e o tom dos diários torna-se altamente político.
Com isso, a fome figura como protagonista e se entrelaça ao sentimento de descrença da política, dos políticos e da democracia. Tanto que escreve: "O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora."
O suicídio, a violência doméstica, o abuso infantil, a opressão policial, a corrupção e o racismo também requerem espaço nesse momento. Carolina discorre sobre esses pontos com a língua afiada, sem medo de represálias, consciente do seu lugar e do lugar que deveria estar.
Há, também, ótimas linhas de reflexão entre literatura e sociedade, principalmente, sobre o ofício de escrever. Ela confessa, por exemplo: "Os bons eu enalteço, os maus eu critico. Devo reservar as palavras suaves para os operarios, para os mendigos, que são escravos da miseria".
Em suma, "Quarto de Despejo" é um excelente exercício autobiográfico que nos permite questionar os limites do que entendemos por literatura. Além disso, a escolha de se editar com os desvios de escrita foi bastante feliz, pois agrega à obra caráter singular e realista.