Feliky 30/11/2023
A primeira literatura até então registrada
A EDIÇÃO
- Capa:
Peguei a versão comentada capa mole da Autêntica. A mesma editora disponibiliza a mesma tradução numa versão capa dura, porém sem os vários textos complementares (provavelmente numa soma de tentar baratear o custo + o tamanho não atrapalhar a brochura do livro). Não posso opinar se a capa mole sustenta a quantidade de páginas porque li versão e-book.
- Textos complementares:
A respeito dos textos complementares, achei todos muito bons e informativos. O tradutor não se contenta apenas em suas próprias explicações, inclusive, ele vai e mostra a de outras pessoas (com os devidos créditos de nomes e páginas, o que facilita caso alguém queira ler diretamente os textos citados). Eu diria que esse livro em específico de fato pede por uma edição cheia de textos porque, se tratando de uma literatura muito antiga e de um país com uma cultura que hoje em dia já é diferente quem dirá antigamente, muito da experiência acabaria se perdendo se fosse lido no seco sem o devido contexto. Vi reclamações de que as notas não são práticas no digital porque não remetem diretamente a elas, mas não me incomodei porque basta usar o sistema de marca página que funciona.
- A tradução:
Não posso confirmar se é boa ou não porque não é como se eu fosse conhecedora da língua acádia, MAS fui atrás de avaliações sobre uma das principais fontes de inspiração do tradutor (a tradução de George) e aparentemente ela é precisa. O texto, para mim, também continuou fluído. Claro, há momentos em que não tem nada (fragmentos perdidos) e isso quebra o ritmo, mas não é culpa do tradutor que não se tenha o texto completo (vou comentar mais disso abaixo, aliás). Uma críticas que vi ao texto do George que se repete aqui é na tabuinha 12 relacionado a uns termos mais explícitos (evitando explicar demais pra não ser spoiler, mas quem leu sabe) que aparentemente não são assim no texto original e George (e agora Brandão) é o único a interpretá-lo dessa maneira. Mas enfim, nada de OH MEU DEUS ESTRAGOU.
- Fragmentos perdidos.
Gostei da decisão de deixar os espaços incertos/perdidos só sinalizados ao invés de tentar preenchê-los, dá uma dimensão melhor de como é o texto realmente. Também é ótimo que, nas notas, ele ofereça possíveis alternativas, sejam elas só teorizadas ou vindas de outras versões do texto (como a do sumério).
A OBRA:
Mencionei que precisava mesmo de textos complementares por se tratar de uma literatura antiga e de uma cultura diferente, mas a realidade é que Ele que o abismo viu está longe de ser distante. Ela é, na verdade, muito identificável. O tema principal é o ciclo da vida e da morte, que é retratado com vários pormenores, e que ser humano nunca chegou a refletir sobre a morte, não é mesmo? É um tema recorrente em praticamente todas as culturas por um motivo.
Embora seja o principal, também não se limita a ele. Temos outras questões, como a própria retratação de relacionamentos, com destaque especial para o de Gilgamesh e Enkidu. Não importa como você interprete eles (a caso de curiosidade, eu particularmente acho que eles se encaixam em vários termos, desde amigos até amantes), é inegável que eles têm um laço forte pautado na igualdade e isso, para mim, ficou ainda mais reforçado com a história da Ishtar (com quem Gilgamesh não poderia ter igualdade). Também uma pausa para fazer uma menção ao relacionamento de Nínsun com Gilgamesh, que vejo não sendo tão citado, mas gostei também.
Outro tema é a ideia da pureza de uma "vida animal" x a impureza da "vida civilizada", em suas qualidades e defeitos. Isso se mostra principalmente em Enkidu em sua jornada, refletido pelos personagens com quem ele interage (o caçador, Shamhat, Gilgamesh, Humbaba...). Não vou me estender em que maneira essa obra aborda isso porque spoilers.
EM SUMA:
Com certeza recomendo, tanto pelo valor histórico quanto pelo de entretenimento quanto pelo de reflexão. E essa edição é realmente muito boa!