Lane 22/08/2012Flores na TempestadeEste livro é um daqueles que nos levam a um estado de contemplação, onde a ficção encontra nossa mente e elas dialogam entre si. Mais do que pela experiência da história, há um poder cativante em cada detalhe que te conduz a um espaço de transcendência, que por diversas vezes, mesmo que a passos lentos, te faz sentir a necessidade de capturar minuciosamente essa intensidade emocional (se é que essa ardileza seja possível).
E quando ele termina você se encontra em uma situação de desatino completo. Então você começa a se afogar em suas re-leituras, tentando novamente manter ou permanecer na sua essência.
Flores na Tempestade está entre os 3 melhores romances que já li e entre os 4 melhores livros que já li.
Por alguma razão, a profundidade da narrativa te leva a refletir sofre os sofrimentos humanos e a se questionar sobre o equilíbrio da verdadeira felicidade.
Comparado a outros romances, esta não é uma história onde os opostos se atraem, é algo sobre ver o outro, não da forma como os demais, mas de forma a embrenhar-se no mais intimo do seu eu verdadeiro.
Laura Kinsale criou uma história desafiante onde os conflitos internos e externos se colidem impiedosamente. Não existe conforto algum ao ler, é perturbador, é triste, é cruel, porém há alguns sorrisos, um humor que te solta no meio da leitura, mas por trás de cada riso solto há uma lágrima que desce lentamente pela face.
A escrita atraí o leitor, ela é poética e complicada - mas te suga- pode ser que haja quem diga que ela seja um pouco antiquada, entretanto você mergulha na contemplação de imagens e gestos. A compreensão se embriaga e você tateia as emoções de cada personagem.
Nesta história quem é o vencedor também é perdedor.
É o primeiro livro que leio da autora, mas por sua escrita, eu pude perceber que ela é daqueles gêneros que se arriscam naquele grupo pequeno de autores que gritam seus talentos não se importando com modas ou com a popularidade. Tornei-me sua fã - Obrigada Adri por me apresentar o livro! – \o/
Voltando a atenção para a história, a inquietação começa já no prólogo.
Christian, o duque de Jervaulx, começa a história na cama de uma mulher casada, nu ele se concentra em preparar seu adorado chocolate. Não presta muita atenção às preocupações da mulher em questão, que o informa que está grávida dele e o seu pensamento e raciocínio é que o esposo dela chegue logo, para que ele seja redimido de sua obrigação. Na verdade, ele nem se preocupa, nem com a mulher nem com a criança. E para completar a consternação de leitoras, que como eu detesto esses “tipos” de mocinhos, de imediato ele encontra com o esposo da mulher na saída.
Deste jeito começamos a pensar que esta será mais uma história de paralelos e completamente clichê, mero engano. Até na construção dos personagens Laura Kinsale cria um mocinho diferente. Christian, um homem que vive entre o luxo e o poder que seu titulo monárquico oferece, entretanto libertino, é um gênio da matemática.
Archimedea Timms, -MissMaddy- é uma solteirona, filha de um intelectual matemático cego. Nascida e criada dentro da filosofia Quaker, Maddy tem a religião como seu alicerce de vida.
Maddy foi a grande surpresa pra mim, por ela ser uma pessoa religiosa, eu logo pensei que ela seria daquelas com ares virginais e santas. Tamanha foi minha surpresa ao constatar que não.
Os protagonistas são maduros, inteligentes, miseráveis e inseguros em seus conflitos internos, são pessoas presas dentro de si mesmas. A compreensão do humano aqui é essencial para entender a conexão entre ambos.
É cativante observar a luta interna de cada um, suas frustrações e angústias, as emoções que cada um sente, é maravilhoso ver a fase de transição de ambos e no final poder e enxergar as flores em meio a tantas tempestades e dificuldades. Há uma lacuna enorme entre eles e ela não é meramente social, a força dos protagonistas transcende a leitura.
A trama toma força a partir do momento que Christian sofre um acidente vascular cerebral* e é internado em Blythedale Hall um hospício, sendo considerado mentalmente instável por seus familiares
Confuso, apresentando alterações na sua parte cognitiva e disfagia, dominado por suas atitudes monarcas agressivas – porque ele é um duque-, as pessoas interpretam como sendo um quadro normal da loucura. A autora conseguiu retratar o modo que a medicina e a sociedade de verem e lidarem com esses tipos de doenças naquela época.
Sofrendo humilhações e torturas cruéis, Christian percebe que esta emparedado dentro de si mesmo. É inquietante ver a ruína interna que ele se encontra.
No entanto aqui conseguimos ver a magnitude da autora em criar e inserir Maddy no hospício. Se a intenção era causar furor e sair do piegas, ela conseguiu.
Duas criaturas diferentes, em mundos diferenciados, unidos sob a mesma ótica. Cada qual com sua razão, Christian porque precisava de Maddy pra sair do seu emparedamento interno e Maddy porque precisava fazer a vontade da sua Luz Espiritual Interna.
O que transpassa nas entrelinhas é que o casal não é motivado por uma paixão ardente, a heroína é simples e o mocinho é alguém que tem dificuldade de coordenação com sua mão direita.
Delicadamente e emotivamente - e não me perguntem como-, a autora a partir desse envolvimento, através de diálogos fraturados e quase incompreensíveis, desenvolve um estreitamento entre ambos e sem a gente perceber a construção do casal está feita.
É a força desse amor que impulsiona a ambos.
E não pense que por causa deste drama todo, a história fica sem sexo, não fica. As cenas entre eles são mais que o comum já lido. É como ver e sentir dois personagens fazendo amor, é completamente humano e somente quem teve a oportunidade de experimentar as duas coisas poderá compreender ao que me refiro.
O enredo é entrelaçado coerentemente sem superficialidades.
O final me fez chorar e eu fiquei horas sem conseguir ler outro livro.
Escrevendo esta resenha fecho meus olhos e fico relembrando partes e trechos do livro: o beijo na biblioteca dentro do hospício, a fuga do casamento, a cena com os gatinhos, a contemplação com o cabelo, o sorriso de pirata, as pálpebras sensuais essas e muitas outras me marcaram muito.
Flores na Tempestade é profundo e envolve a mente, é uma obra que merece todo respeito, e eu recomendo pra quem acha que todos os romances são sobre historinhas frívolas. Pra mim, Flores na Tempestade é a personificação de uma obra de arte quando um autor excepcional esta a frente.
Mais que recomendado, certeza que farei releitura!
* Em minha opinião, o autor pode não ser um especialista no assunto, mas ele ganha credibilidade quando aborda patologias em si baseadas em pesquisas verossímeis. Como sou curiosa e profissional da área de saúde, eu analisei a doença de Christian que poderia ser também considerado como sendo uma meningite e após uma breve pesquisa constatei que como a história ser datada na época da regência (1820), ainda não havia se confirmado o diagnóstico da doença que só foi feito em 1887. Entretanto a pesquisa só aumentou minha admiração pela autora, pois verificando no seu site, me certifiquei que a sua inspiração para a história foi sobre sua experiência com a doença de sua tia avó. Detalhe, que eu não posso deixar de registrar é que a própria autora responde a todos os comentários feitos no seu site, assim como a autora Diana Gabaldon (autora do livro Viajante do tempo, livro que encabeça minha lista de melhores romances que eu já li).
*Avaliei com 5 estrelas.