Lopes 29/01/2019
| Singularidades aterrorizantes |
“A noite”, de Elie Wiesel, é um minúsculo tratado sobre a esperança que logo se faz inócua. Sua escrita é arenosa, repleta de análises sociais nos relatos, suspensos pela força que os ultrapassam, transgredindo uma arte afogada em perigos sensoriais. Ler “A noite” pode ser um fácil acesso para a comoção quando vemos todos partirem. E - parece, aqui, um jogo perigoso mas vamos adiante - o título pode ser sintonizado com o belo capítulo de “O espaço literário”, de Maurice Blanchot, quando o autor investiga o papel da noite nos escritos de Kafka, Rilke e outros. A noite serve-se de metáforas ambivalentes por ser muito crível em sua face real, despedaçada em si, onde tudo acontece por igual solidão. Wiesel corrobora uma identidade cultural de seu lugar de origem, em Sighet, na Transilvânia, a partir de um exemplo múltiplo. As pessoas desta região tinham esperança, e por vezes uma fé judaica fervorosa - Elie Wiesel - ao concluírem que Hitler nunca chegaria ali, mesmo todos lendo sobre a abertura política na Hungria - foram os soldados húngaros que levaram todos desta região para os Campos de Concentração - para o horror oriundo da Alemanha fascista. Até meados de 1944, todos viviam essa ilusão. Da cegueira à morte. A consoante que ressoa um período interminável, que parece vir para assolar apenas o cotidiano. Os judeus de Sighet, mesmo diante dos trens, achavam, como todo o resto deste mundo opaco, que as evidências dos Campos eram exageros. O que desperta após esse pleito consciente é a suspeita de um plano de via dupla. De um lado o adeus, de outro o aceno que avisa a chegada da morte. De um extremo a outro, lemos sobre os insistentes ruídos que clamam pela volta daquela vida atribuída a Deus pelo garoto Wiesel. A partir daqui vemos a vida de Elie se aperfeiçoando diante de seu olhar, que logo irá criar princípios para sua racionalidade artística. Wiesel vai vendo diante de sua alma, a morte de quase todos seus familiares, amigos, conhecidos e sua fé. O falecer de um Deus distante, volúvel, secreto em suas oliveiras. Em contraste, vemos um pai fraco, caído em sua existência que se resolve obter gravidade sepulcral. Não há felicidade, há destinos. E o de ambos se interligam quando vemos duas trajetórias circundando nas mesmas páginas, um de forma medíocre, o outro na forma de fortaleza. Ambos se comunicam por meio das perdas. Perda é como água, um enche mais que o outro quando compreendemos a quantidade suportada em cada copo. A água que durante o horror não existe para matar a sede, mas aquela que, já dentro do pai e de Elie Wiesel, salvará o corpo físico do autor dos horrores de Hitler, Auschwitz, Birkenau e todos os outros Campos e fascistas, atribuindo ao leitor o trajeto da História contada e sua própria existência.