Bruno.Rafael 23/01/2020Um reflexo de Clarice nas suas palavrasEste é um pequeno livro de contos/crônicas que dá para ler em menos de um dia. Os textos foram encomendados para Clarice e ela escreveu em um curto tempo. Fala sobre o corpo, sexualidade e afins, abrangendo um largo espectro dentro desses temas, dentre eles virgindade, castidade, homossexualidade, prostituição, poligamia, prazer na terceira idade. E no meio de tudo isso, questões existenciais e transcendentais, como a morte por exemplo.
Não quero aqui fazer uma análise dos textos, mas uma breve ligação da autora ao seu texto.
Sua escrita é cheia de acidez e impiedade, isso pode desagradar alguns leitores, mas minha empatia foi grande com esse jeito maluco de ser dela. Ela não está nem aí para seus críticos, para quem não goste dela (e as vezes ela nem se importa com a imagem dela) como deixa claro neste trecho: “Sei lá se este livro vai acrescentar alguma coisa à minha obra. Minha obra que se dane. Não sei por que as pessoas dão tanta importância à literatura. E quanto ao meu nome? Que se dane, tenho mais em que pensar.”. O livro foi até descrito como “lixo” por críticos da época, por ser diferente das obras consagradas da autora, “lixo” que muitos escritores gostariam de escrever e que leitores gostariam de ler, e só tenho a agradecer à escritora. Passado o asco, ora ela se mostra observadora do ser humano e curiosa como cita nesse trecho: “Às vezes me dá nojo de gente. Depois passa e fico de novo toda curiosa e atenta”. Não foram as qualidades que fizeram afeiçoar-me a Clarice, mas seus defeitos.
Dei boas risadas durante a leitura, Clarice não dá a intenção do riso, é como se ela estivesse conversando normalmente e séria na maior parte, mas suas palavras causam esse efeito. Através das crônicas, vemos uma mulher em constante conflito consigo mesma que divide momentos entre curiosidade para encontrar respostas em alguns momentos e niilismo em outros, e embora o livro tenha bons contos, é com as crônicas que me deliciei. É como se ela estivesse na nossa frente tomando um café e nos contando da sua vida e da dos vizinhos, que não tem muitas surpresas, mas que está cheia de ideias, pensamentos e reflexões sobre o cotidiano. Sobre a simplicidade da vida, do corpo, da sexualidade, ela escreve objetivamente, sem perder o lado epifânico característico dela. Enfim, parte dessas histórias são uma autobiografia de Clarice, desvendando uma mulher simples e complexa ao mesmo tempo. Recomendo não só pelo tema principal, mas para a observação da escritora, do seu ser, afinal, não há palavras escritas que não retratem o pensamento de quem as escreveu.