Ingrid_mayara 03/06/2018
A escrita simples de Clarice
Em 1952, Clarice Lispector foi colunista de um tabloide intitulado Comício, a convite de Rubem Braga, o qual concordou que ela publicasse sob o pseudônimo Tereza Quadros. Esse tabloide tinha como proposta a oposição ao governo Getúlio Vargas, porém, em sua coluna "Entre mulheres", Tereza Quadros não tratou diretamente de dar opiniões políticas. Nas entrelinhas de seus escritos sobre assuntos (f)úteis do universo feminino, seu intuito era despertar o pensamento crítico acerca dos valores éticos da condição feminina na sociedade. Assim, seu público-alvo era as mulheres com tempo e disposição para refletir/estudar.
De agosto de 1959 a fevereiro de 1961, ao retornar dos E.U.A., Clarice escreve em sua nova coluna "Feira de utilidades" no Correio da Manhã, usando o pseudônimo Helen Palmer. Seu público-alvo era formado por mulheres solteiras que desejavam o casamento, por isso suas temáticas eram mais associadas a tarefas domésticas, cuidado de filho e marido, e como ficar bonita diante dessa jornada mulher-esposa-mãe.
De abril de 1960 a março de 1961, praticamente na mesma época em que publicava seus conselhos no Correio da Manhã, ela começou a escrever no Diário da Noite, na coluna "Só para Mulheres". Invez de usar pseudônimo, Clarice era ghost writer da atriz Ilka Soares, a qual era considerada como um ideal de beleza e glamour. Seu público-alvo era as mulheres casadas que trabalhavam e/ou tinham filhos. Seu pretexto era falar sobre como se maquiar e se comportar nos eventos sociais, respeitando a individualidade de cada uma.
Fato importante de ser lembrado é que Clarice Lispector já havia trabalhado na imprensa antes disso tudo - como repórter e tradutora - e sua escrita singular já era conhecida (ela foi uma das primeiras mulheres a trabalhar na imprensa brasileira, e mesmo assim, ainda havia colunas femininas que eram escritas por homens). Tereza Quadros, Helen Palmer e Ilka Soares foram nomes utilizados por ela por diversos motivos, e acredito que principalmente para separar sua literatura já consagrada desses escritos com linguagem bem menos elaborada, de leitura fácil e rápida.
Recomendo a compra e leitura a quem realmente se interessa pela autora, aqueles (as) que, assim como eu, compraria até uma lista de supermercado escrita por ela. Uma dica: leia sabendo contextualizar a época com a situação particular da autora (divórcio, dois filhos pequenos, etc.) e seu público-alvo; lembrando também que as leitoras ansiavam por uma conselheira que pudesse lhes ajudar a passar por momentos sociais tão conturbados para as brasileiras.
Ah, quem já leu o conto "A quinta história", presente no livro Felicidade Clandestina (e em outros livros da autora) vai se surpreender com duas receitas para matar baratas que estão escritas no livro Só para mulheres.
Citações favoritas:
"A leitura instrui e educa, eleva os pensamentos e faz com que as pessoas se irmanem melhor, compreendendo que vivem em comunidade, e como representantes de um grupo devem proceder."
"A questão toda está aí: você deve imitar você mesma. O que quer dizer: seu trabalho é o de descobrir no próprio rosto a mulher que você seria se fosse mais atraente, mais pessoal, mais inconfundível."
"As mulheres são mais inteligentes? – Por favor, não fale alto, pois, se houver algum homem por perto, sou capaz de apanhar… Isso não é pergunta que se faça…"
"O que fazer quando o trabalho desagrada? Ou mudar de trabalho – ou mudar de atitude em relação ao trabalho."
site: Se quiser me seguir no instagram: @ingrid.allebrandt