lotuss 31/05/2023
A história [nada glamourosa] das bruxas de Oz
Fiquei com sentimentos conflitantes com relação ao livro, porque ele é lento e de linguagem difícil, mas você vai se costumando com a escrita meio crua do Gregory Maguire. O fã do musical pode se frustrar com as diferenças drásticas, mas a bem da verdade é que o ruim dessa história é o quão visceral ela é. Todo o glamour (tanto do Mágico de Oz quanto do musical), aqui, não passa de uma lenda, uma história de ninar. É tudo muito cru, violento, e real. É um livro fortemente político e o autor tece uma crítica que gira entorno do perigo da desumanização. Afinal, não foi isso que caracterizou os eventos mais aterrorizantes da humanidade ? "alguém" desumaniza um povo e depois dizima, escraviza, e o apaga?
Das três bruxas de Oz, a Elfaba é a menos bruxesca de todas. É uma cientista, fascinada pelos seres desumanizados que vai conhecendo ao longo da vida ? que passam pela mesma desumanização que sua família e todo mundo à sua volta a fizeram passar. Os pais dela, que no musical são totalmente ignorantes, aqui são só pessoas comuns, com seus próprios demônios que são suas convicções ? por isso a Elphaba, que é muito mais complexa aqui que é no musical (em que ela vira uma nerd de óculos clichê), abomina crenças, fé, magia e religiosidade. No livro ela é quase agênero, mal se considera um indivíduo e tem tendência a se acostumar fácil com a presença dos outros ? no fundo, é isso que ela sempre quis. Se sentir uma pessoa ? e ter um lar.
Claro que um ponto pro musical é o enfoque na amizade dela e da Glinda, que aqui tem muito menos "tempo de tela" e menos relevância também. Já que o foco aqui, na verdade, é na solidão sem fim da Bruxa Má do Oeste. Do início até o fim do livro, a Elfaba se frustra por duas coisas que a assombram. O fato de que ninguém entende os Animais, desumanizados e perseguidos pela tirania do Mágico, como ela ? e pelo fato de que ela nunca consegue fazer nada pra mudar as coisas. Nada de magia ou altas maldições ? suas ações são muito orgânicas, ela mal faz um ou dois atos mágicos. Ela tenta fazer a Glinda pensar como ela, ou o Boq, ou o Fiyero, ? mas vai ficando claro que isso é impossível, porque cada um deles foi criado dentro das suas culturas, com seus preconceitos, valores e verdades próprias, e não à margem da sociedade, como ela. Por falar em personagens, há alguns que INFELIZMENTE não estão no musical, como a Babá, a Sarima, a Nor e o Liir que têm pontos de vista incríveis que fazem o leitor se sentir real na pele deles. Os diálogos são sensacionais. Eu me conectei muito com cada um deles e a Elfaba também ? por isso vai se frustrando cada vez mais quando eles a decepcionam: por não sentir o que ela sente e consequentemente não fazendo nada para impedir ou mudar a violência e invisibilização que o Mágico promove.
Essa crítica já existia no livro original ? a de como é fácil manipular as massas, que idolatraram um estrangeiro e deixararam-no ditar quem é e quem não é digno de ter direitos, e que também santificaram uma criança que sem querer sobreviveu, os dois sem poderes algum. Só que tudo é expandido e explícito em Wicked. A desumanização é real; o racismo é real, a misoginia é real e a invisibilização dos animais também. Oz é só um espelho da nossa terra ? igual é no original, se a gente para pra pensar. Nossa, vou parar por aqui porque essa avaliação tá gigantesca, mas ainda tem muito mais pra falar sobre esse livro. Apesar daquela linguagem difícil, você se conecta com os personagens e fica vidrado nos diálogos, os personagens são autênticos e multifacetados e nada é jogado do nada. Até os saltos temporais só são frustrantes porque você se prende no arco que o autor cria e não quer que acabe. Pra finalizar, do início ao fim da jornada da Elfaba, ela sofre por saber como é ser desumanizada, maltratada e deixada de lado. Nesse livro não tem triângulo amoroso bobo que nem no musical. A batalha verdadeira é política e cultural ? e mesmo com um final "feliz", o livro deixa claro que essa batalha nunca acaba.