Julhaodobem 12/09/2022
Mais um Amado
Quando peguei pela primeira vez um livro de Jorge amado em mãos nunca pensei que se tornaria uma leitura agradável e que me faria ter a vontade ler os outros livros do autor, uma vontade imensa de saber o que ele poderia criar, discutir ou relacionar com uma parte do Brasil que nós, paulistas estereotipamos até hoje. Ler Jorge amado nos mostra o quanto este homem marcou a historia da literatura contemporânea brasileira, sua forma de escrita, a forma com que fala dos personagens como se realmente eles existissem consegue transportar o leitor em um mundo que se sente parte das historias contadas por ele. A forma que o próprio autor participa da historia como um narrador consciente desse mundo e que faz parte dele só aumenta a forma que a literatura de Amado consegue colocar seu lugar na historia da cultura brasileira.
Até hoje existem pessoas que dizem que ler Jorge Amado é uma perda de tempo, "é uma completa putaria generalizada", "o cara só fala de 🤬 #$%!& ", "tem muita violência", "ele só coloca coisa de seita". Essas são as frases que ouvi enquanto conhecia a sua literatura, frases geralmente de pessoas brancas, inertes em um mundo de privilégios europeus que desconhecem a sua proporia nacionalidade, nem se dizem latinos e pagam a alma para o tio Sam. Sinto pena daqueles que negam a própria cultura e deixam as maravilhas do calor ardente do nordeste brasileiro para trás, com as historias de religiões afro brasileiras, a culinária baiana, a dor de órfãos lutando para sobreviver em uma cidade de cristos ou uma cidade presa no tempo onde belas mulheres andam, discussões politicas são colocadas e provam a mais alta experiência do que é sexo feito sem medo, sem preconceitos apenas procurando o prazer mais carnal e poderoso com uma vontade ardente.
Assim, é desta forma que começo falando do terceiro livro que li de Jorge Amado, Tieta do Agreste conta a historia da "pastora de cabras" Tieta, uma jovem garota de Santa Ana do Agreste que é expulsa do pai depois de fazer depravações nas praias do mangue seco, um lugar paradisíaco da cidade. Depois de 30 anos ela volta para Agreste para ver a sua família e tentar se reconectar com estas pessoas onde o único contato era uma mesada bem gorda para cada pessoa de seu sangue.
Podemos dizer que Tieta é a personagem principal do livro, mais uma vez uma protagonista feminina poderosa que tem uma força que inspira e causa pavor nos personagens. Diferente de dona flor em outra obra do autor ( Dona flor e seus dois maridos) aqui esta personagem já tem suas ideias independentes e poderes de fala logo no inicio que lutam contra o machismo e o preconceito por ser uma mulher pensante por si própria. Esta mulher é a personificação de uma mulher madura, consciente de seus problemas e não tem medo de abrir a sua boca para falar o que pensa, mesmo assim possui a falha da luxuria que todos os personagens do autor vivem, principalmente as mulheres, a vontade incansável ao sexo. Que até aqui para um leigo que nunca leu Amado possa entender como uma característica sem sentido e somente colocado pelo autor pela simples "Putaria", mas no fim entendemos que o sexo é basicamente uma vontade humana e natural em todo ser humano, uma forma de nos conectar novamente ao nosso estado primitivo.
O sexo é basicamente uma forma de prazer, uma vontade que já esta em nosso DNA, o que Jorge Amado faz por meio de Tieta e outros personagens neste livro é demonstrar isso mentalmente, com seus pensamentos, desejos e sonhos que não podem ter socialmente mostrados senão seriam julgados por conta de seus postos sociais. O que no fim é um espelho da nossa realidade, todos nos sentimos "tesão" em momentos inesperados e vontades de transar, e colocar isso em uma mulher desperta em nós leitores uma forma de reflexão, aqueles que acharem normais essa atitude entende que tanto a mulher como o homem podem sentir as mesmas coisas, agora se for contra, com certeza você terá ai dentro de seu subconsciente o puro e velho machismo colocado a prova, isto é uma sacada perfeita colocada pelo autor, e algo que muitos ainda não entendem, o uso do sexo como uma critica e também para normalizar certos atos carnais proibidos pelo patriarcalismo contemporâneo.
Junto com esta questão do que seria o sexo, a trama causa um embate humorístico e social com a religião católica, que como sabemos proibi qualquer ato carnal antes do casamento e vê o ato do coito como uma forma de apenas procriação e somente o pensamento de faze-lo como prazer já é um pecado. A personagem que personifica com mais rigor a religião autoritária no livro é a personagem Perpetua, a irmã mais velha de Tieta, como o próprio nome diz ela esta presa para sempre como uma forma de visão de mundo. Viúva e devota a Deus, Perpetua é a personagem que segue a risca todas a regras da igreja católica, até colocando seus filho no meio disso. A luxuria como inicialmente podemos pensar não existe para ela mas no fundo é uma força que nasce por conta de suas atitudes secretas de estar acima de todo mundo financeiramente a todos momento, se mostrando como a irmã controladora, mais inteligente e sensata, mas no fundo ela somente quer ser mais a poderosa do que todos, pois se não pode ter o prazer pelo menos terá o dinheiro, o gozo do capitalismo que promove objetos, poder e influencia politica na cidade. Portanto, acaba tornado essa dualidade entre religião e luxuria como uma das formas mais interessantes durante a historia pois esta presente na maioria dos personagens, por mais religiosos que sejam, secretamente cada um tem a sua forma de luxuria, seja sexual ou financeira.
Com todo esse turbilhão de características e culturas é de esperar que em um livro de Jorge Amado a cidade faça um papel importante, uma força viva e consciente , que reflita nas atitudes e vontades dos personagens. o Munícipio de Santa Ana do Agreste é mais um lugar que o autor faz crescer e respirar junto com os personagens. Diferente da Bahia de Dona Flor e seus dois maridos, Santa Ana é um lugar que parou no tempo, um lugar que parece que não seguiu os rumos do progresso do pais, decidindo ficar como uma cidade velha e cada vez mais esquecida, como aqueles lugares que nunca sabemos que existia no mapa, como Bacurau ou Analandia. Mesmo assim é uma cidade que explora caraterísticas do tempo do coronelismo, uma população que se conecta com a cultura, existe uma comunicação saudável mesmo com as manchas de um liberalismo autoritário, sem a industrialização, o tóxico som alto de carros e pessoas gritando nas ruas como em grandes metrópoles.
Quando o famigerado "progresso" chega a esse pequeno lugar é possível ver claramente uma critica não apenas ao sistema capitalista que vai direto apenas ao lucro mas também na própria politica e esse progresso industrial que é colocado até hoje como a única forma de evolução, tenha carros barulhentos, prédios grandes, faça lucro com tudo e qualquer coisa possível, importe objetos caros de outros lugares do mundo, Europa sempre é a favorita. Assim, resumidamente é a forma mais clara que permeia até hoje que a felicidade a forma de prosperar de um lugar é ser de asfalto, aço e lucrar a todo momento para ser feliz junto com belas regalias do capitalismo, ser caipira não paga bem as despesas. Fazendo assim uma referencia ao que vivemos hoje, a cultura do interior é feita de desprezo e sem emoção, agora um objeto cultural de outro pais é abraçado com muito amor pois terá um lucro, para aumentar as contas do banco no final do mês.
Por fim não tem como não comentar sobre a questão ambiental que é o ponto alto do livro com discussões do cotidiano que existem até hoje, com o nosso mundo a cada dia tendo seus dias contados por conta desse progresso que tanto políticos proclamam, mas no fim destroem um lugar histórico da natura para sempre. Em Tieta do agreste isto é discutido como um exemplo da paisagem natural que existe no Agreste, que alguns dizem tudo bem ser excluída do mapa, tudo pelo futuro da industrialização. Mas não enxergam que a longo prazo isso ira sucumbir a própria cidade em desgraça, apagar a cultura rica que existe ali e cada vez mais aumentar a poluição. Esta é uma parte da trama que gira em torno de todos os personagens e critica o próprio sistema erguido da industrialização brasileira, que não controla empresas estrangerias em seu próprio território, um fato que parece ser de um romance literário mas que existe na realidade do pais até hoje.
Tieta do Agreste foi um livro que posso ter demorado para terminar, uma mera consequência da vida de um bixo universitário, mas me deliciei em cada parte com mais uma historia de Jorge Amado. Um autor polêmico mas um romancista famoso em todo o território brasileiro, por demonstrar uma parte do nordeste com a cultura, a religião e o comportamento social de um povo em sua forma mais pura e entre quatro paredes, foi o que foi demonstrado nesse livro, agora com um toque mais politico e militante, com pequenos tons de humor e sátira pois é a forma mais poderosa de criticar um sistema dominante que controla o mundo.