spoiler visualizarCristiano 25/08/2019
Uma introdução aos movimentos sociais
Em seu livro “Protesto: uma introdução aos movimentos sociais” o sociólogo James M. Jasper examina, prioritariamente, a dinâmica interna dos movimentos sociais e suas manifestações socioculturais. A obra está estruturada em oito capítulos que são introduzidos a partir da apresentação de relatos de movimentos sociais ocorridos, os quais o autor usa para explorar os conceitos e temas propostos no capítulo. Com base em seu subtítulo, o livro busca ser um manual introdutório ao estudo dos movimentos sociais, tendo uma linguagem agradável e de fácil compreensão. Nesta resenha, pretendo usar a estratégia de apresentar uma síntese breve de cada um dos capítulos, reservando um espaço no final para as minhas considerações pessoais. Farei desta forma por acreditar que o desenvolvimento da capacidade de síntese é um processo importante e necessário à qualificação intelectual.
Na introdução do livro, o autor apresenta a indignação como o fator responsável para o envolvimento com um movimento social, e até mesmo, a participação em um movimento de protesto. Atribuí uma centralidade à cultura ou os meios de compreender o mundo, ela possui três componentes que são importantes para as ações e declarações políticas. Esses são cognição, emoção e moral. O primeiro diz respeito às crenças sobre o mundo e a distinção que fazemos sobre uma coisa e outra; o segundo está ligado diretamente à cognição e dão vida às narrativas, fazendo com que se tenha preocupação com identidades coletivas; por fim, a moral é o que possibilita atribuir um valor positivo ou negativo para os pontos que afetam nossas vidas.
Os movimentos sociais têm como meio e objetivo a democracia, pois eles só conseguem ocorrem em um ambiente em que há direitos fundamentais garantidos. É importante diferenciá-los de movimentos de protestos, pois um movimento social pode organizar um protesto, mas não se resumo a ele. A ação do movimento ocorre dentro de arenas com regras específicas e que demandam tipos variados de repertórios que variam de acordo com o tempo e as alterações estruturais feitas pelos atores que a disputam, o Parlamento e o judiciário são exemplos de arenas. Há três formas de buscar com que as pessoas façam o que o movimento quer, a primeira e mais arriscada é a coerção, a segunda e mais usada é a persuasão e a terceira é pagar. O autor dá um enfoque na abordagem culturalista para o estudos dos movimentos sociais, uma das alegações para isso é a redução da perda de detalhes e informações das pessoas que se engajam.
Os seres humanos não conseguem deixar de procurar significados no mundo, com isso, os significados culturais são fundamentais são influenciados e influenciam diretamente nos movimentos sociais. Temos a necessidade de nomear o que mexe com os nossos sentimentos, com base neles somos mais sensíveis a determinadas formas de performances, como é uma questão subjetiva e pessoal, os movimentos sociais usam a maior variedade de performance possíveis. Além de atribuir nomes, é necessário a identificação de personagens com significados figurativos fundamentais de vítima, vilão e herói.
Além das três formas para obter o que se deseja que foram apresentadas anteriormente, existe uma quarta que é ter como membro da equipe pessoas que ocupam posições hierárquicas de controle sobre meios de coerção, persuasão e pagamento. Há infraestruturas que são fundamentais para os movimentos sociais, uma delas é a garantia dos direitos fundamentais, pois somente a partir deles os movimentos podem se organizar e transformar temas privados em problemas de moralidade pública. Além disso, dinheiro é importante e uma boa e influente rede de atores bem colocados hierarquicamente nas arenas que o movimento está disputando.
O que leva uma pessoa a se envolver com um movimento social? Para responder esta questão é necessário falar sobre o recrutamento, processo fundamental para a criação e influente na força do movimento. As redes sociais que as pessoas possuem são fundamentais para o recrutamento, pois a atração que sentimos por outras pessoas é uma potente força motriz para escolhermos nos envolver ou não com uma causa. Mas é claro que algumas pessoas são mais propensas para tal, por serem biograficamente mais disponíveis. Um outro ponto importante para o envolvimento é o que o autor chama de choque moral, um ocorrido que nos afeta muito e que não podemos ficar calados.
Após recrutar, é necessária sustentar a nova pessoa que passou a se envolver com o movimentos social. Para isso, é feito uma diferenciação do que é interno e externo ao movimentos, ou seja, há momentos em que as pessoas do movimento conversam com exclusividade e buscam criar uma identidade coletiva, aspecto que é fundamental para a continuidade do movimento. Para garantir que uma pessoa retorna a um movimento de protesto, é importante que ele dê prazeres que se materializam em adesivos, camisetas, fotos com pessoas importantes para a pessoa, além de possibilitar a sensação de estar fazendo história.
Examinando os movimentos sociais como arenas, em outras palavras, olhando por dentro deles é possível perceber que há disputas constantes sobre os rumos, táticas e ações do movimento, tem-se a criação de facções entre os membros do grupo para se tornarem mais forças no momento da decisão dos próximos passos. É importante perceber que por mais que tenha essa disputa, para fora do movimento tudo deve parecer coeso, bem como, algumas coisas não são negociáveis, principalmente quando a inclinação tática do movimento diz respeito à causa de sua luta, exemplo, um movimento que busca a paz não vai adotar táticas violentas.
Estando nessa constante disputa interna e externa, os movimentos sociais necessitam recrutar envolver outros atores, esse processo de agenciar novos atores me parece muito similar à teoria ator-rede proposta pelo sociólogo francês Bruno Latour. Quando se envolve outros atores, também é criada unidades especiais, que são grupos que acabam recebendo mais atenção devido a proximidade e envolvimento. Na disputa em variadas arenas envolver jornalista, políticos e parlamentares é muito importante, além disso, é crucial fazer com que as performances pareçam espontâneas para romper com as barreiras da mídia hegemônica. Além disso, criar coalizões entre grupos de afinidade, sendo até mesmo de movimentos diferentes é uma estratégia possível.
Os movimentos sociais deixam efeitos duradouros em um âmbito social através da criação de uma nova sensibilização moral; já no individual, eles nos ajudam a pensar sobre nós mesmo, a criar novas identidades e padrões morais de amor e ódio. Um dos maiores impactos morais é na compaixão, pois as pessoas que se engajam passar a se colocar no lugar das outras pessoas para entender, aceitar e ajudar. O envolvimento deixa consequências biográficas permanentes.
Encaminhando-me para a finalização, quero falar sobre as marcas biográficas deixadas e constantemente renovadas que os movimentos sociais deixaram, deixam e deixarão em mim. Tentando fazer o exercício de voltar alguns anos no tempo, vejo que quase não me reconheço. As consequências biográficas são tantas que por mais que eu tenha encontrado uma parcela das dores que querer ver nos traz, fico contente em perceber que essas marcas que me transformaram são as mesmas que hoje me ajudam a rotineiramente caminhar. Estar em movimento é tão necessário como encontrar as causas e motivos que nos movem.