AndreTaff
15/08/2023A brutalidade de Cormac McCarthyCormac McCarthy não era um autor de livros fáceis. Eu o descobri tardiamente, vendo algumas pessoas o elogiando na internet, e peguei o "Meridiano de sangue" pra ler, sem nenhuma pesquisa prévia. Minha surpresa não poderia ter sido maior. A violência crua do velho oeste norte-americano unida às descrições poéticas da natureza deram vida a um mundo que está até agora ecoando em meus pensamentos.
Não demorei para pegar o próximo, e ontem terminei a leitura de "Onde os velhos não têm vez", livro que deu origem ao filme "Onde os fracos não têm vez", dos irmãos Cohen. A tradução do nome do filme, apesar de soar um pouco melhor, não se deu sem uma perda de significado. O tema central da história de McCarthy é a luta interna de um velho xerife enquanto tenta evitar uma violência que ele não entende.
Anton Chigurh, o vilão de "Onde os velhos…", é um instrumento do destino e da morte. No livro, sua descrição física é breve, e mesmo que as pessoas identifiquem que ele é alguém com quem você não deve mexer, os poucos que o veem e sobrevivem ao encontro parecem esquecê-lo assim que sai de cena. Chigurh é uma não-pessoa, não tem vontade, desejo, seu único papel é levar a morte por onde passa. Ele conduz seus assassinatos sem indícios de satisfação ou euforia; é como se fosse another day at the office. Sua arma característica é uma pistola de ar comprimido, a mesma utilizada para matar gado - a metáfora é óbvia.
Em mais de um momento da história, Chigurh joga uma moeda, e sua potencial vítima tem a oportunidade de se safar caso vença o cara ou coroa. Mas não é o acaso que define o que irá fazer. Para ele, a moeda já foi jogada antes mesmo que entrasse pela porta. As linhas do destino estão escritas previamente; a moeda é a oportunidade desse destino se manifestar.
O xerife Bell personifica a ideia que a violência do passado, contra a qual seu avô (também um homem da lei) lutou em seus dias, era diferente da encarnada por Chigurh. Porque o passado era um tempo que, de alguma forma, fazia sentido, e os bandidos eram pessoas que podiam ser compreendidas, ainda que violentas. Não é uma ideia incomum, e talvez até haja nela alguma substância - poderia o niilismo do mundo contemporâneo levar a uma exacerbação da violência sem significado? Mas considerando-se a violência puramente gratuita presente em "Meridiano de sangue" - perpetrada contra índios, mexicanos, e mais tarde contra a população civil americana - , é possível notar que McCarthy respondeu a essa pergunta em sua própria obra. "Meridiano de sangue" fala de como a fundação do país foi realizada sobre um alicerce de violência. Em "Onde os velhos…", o narrador desconhece essa história, se deparando com uma realidade violenta que não entende e que não acha possível entender.
Nos mundos retratados por McCarthy, a civilização é tênue, efêmera, algo frágil que é dissipado ao primeiro sopro de brutalidade. É triste mas verdadeiro. Considerando a longa história da humanidade, o que conhecemos como civilizado só existe muito recentemente, e, além disso, com sérias restrições geográficas. Não precisamos ir longe para encontrar exemplos, infelizmente.
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