Guilherme Amin 05/05/2024
Um mar todo seu
Virginia Woolf sempre gostou de escrever alegorias sobre as ondas do mar em seus contos e romances, mas neste ela atingiu a culminância dessa representação.
Sob e por sobre as ondas que impulsionam, estremecem, retraem e amansam nossas existências, desfila no livro a abordagem lírica do tempo, da solidão, do amadurecimento, do amor, das carências, da nossa identidade e do perpétuo senso do que podíamos ter sido e não fomos.
São temas caros à obra da autora, que ela aqui desenvolve numa prosa de formato e conteúdo experimentais. Não há capítulos, mas ?episódios? compostos por um interlúdio, que descreve ações da natureza, e um consequente solilóquio, feito das expressões da consciência dos seis personagens, cujas ações estão implicitamente ligadas às forças naturais apresentadas nos interlúdios.
É um romance de difícil leitura, que demanda o idílico leitor ideal: generoso, comprometido, concentrado ao máximo da sua atenção. Um estado de corpo e espírito que, se não impossível, somos estimulados ao menos a buscar, dado o prazer intelectual que o livro proporciona.
Para tanto, a edição da Autêntica, com tradução do grande Tomaz Tadeu, conta com um bom texto orientativo, intitulado ?Para ler ?As ondas??. O tradutor nos oferece nele uma bondosa prancha, mas o romance exige nadar por nossos próprios meios.
Nesse ponto, pretensiosamente não darei a ?As ondas? ?cinco estrelas? porque, em comparação com os dois romances de que mais gosto da autora ? ?Mrs Dalloway? e ?Ao farol?, esse o meu livro preferido ?, o prazer da leitura, que é enfim o que busco, não alcançou a mesma grandeza. Foi comprometido, no decorrer do último terço, pela sensação de cansaço; o cansaço da repetição.
Em ?As ondas?, toda a natureza dos personagens, com exceção de um, é revelada nas primeiras 150 páginas. Depois vem a repetição, quase infindável. Como ir a um museu e ver quarenta pinturas de um artista sobre um único tema, e sair da sala entusiasmado, querendo conhecer mais desse pintor ? por certo também uma novidade, alguma variação ?, só para descobrir na galeria seguinte que a exposição continua com mais cem belas obras da mesmíssima técnica e temática.
Bebi, então, uns quantos goles de água salgada, mas meu cansativo nado preparou-me para a recompensa do final: uma ode à solitude que constitui uma das preleções mais lindas que já li. Quero levá-la comigo, confortável na memória mas alerta na consciência do presente, nutrindo-a com releituras, até o dia em que também o meu corpo afundará e se dissolverá nas ondas.