Peregrina 27/10/2016
Leitura indispensável a todo amante de clássicos
Tess dos D'Urbervilles é um dos romances mais aclamados do autor Thomas Hardy, publicado pela primeira censurado em 1891 e, em forma de livro, pela primeira vez em 1892. Tess causou na época um grande rebuliço e suas críticas acabaram não sendo unânimes quanto à sua indiscutível grandeza devido ao confronto moral com as cristalizadas convenções vitorianas.
Situado durante a Grande Depressão de 1870, o romance narra a história de Tess, uma garota de dezesseis anos quando o livro se inicia. Ela é a mais velha dos filhos de John e Joan Durbeyfield e a mais bem-educada da família também.
Eles vivem em Marlott, um pequeno vilarejo, e não passam de mais uma família comum até que o vigário da região expõe uma descoberta ao pai de Tess, a qual seria responsável por sua ruína. O religioso acreditava que os Durbeyfields tinham, na verdade, sangue nobre e descendiam de uma antiga família que deixara desaparecera há muitos anos: os D'Urbervilles.
Não muito longe dali, entretanto, vivia uma viúva e seu filho que haviam adotado o nome D'Urberville a fim de que este lhes conferisse algum prestígio além do dinheiro que já possuíam, mas os Durbeyfields de Marlott não faziam a menor ideia disso e, em meio à euforia e ao crescente orgulho por serem nobres que haviam nascido das palavras do vigário, John e Joan Durbeyfield enviam a filha Tess para estabelecer relações com os novos "parentes".
Lá, Tess conheceu o filho da velha senhora e o responsável pela sua ruína: Alec D'Urberville, um rapaz orgulhoso, debochado, cínico e manipulador. Ele enganou Tess com suas gentilezas insinceras e galanteios dissimulados, que fizeram com que ela não percebesse o perigo que corria em cada segundo em sua presença. Tess não estava se apaixonando por Alec, longe disso, ela estava ali para estabelecer relações com os "familiares" ricos para, quem sabe, conseguir ajuda financeira à família. Sua sensibilidade pelas finanças da família e obediência aos pais, porém, traria uma consequência irreparável, pois logo Alec se viu a sós com Tess em um momento de vulnerabilidade da mocinha e a seduziu inescrupulosamente.
A partir daí a vida de Tess entraria em um declínio acentuado. Muitas dificuldades surgiram como consequência do episódio com Alec. Ela voltou para casa apenas para ser julgada severamente pelas convenções e pela moral vitoriana e, assim, resolveu deixar o lugar para buscar trabalho em uma região distante dali, onde seus infortúnios não fossem conhecidos e ela não passasse de mais uma entre a multidão errante dos castigados pela crise que assolava a Inglaterra.
Tess conseguiu emprego na vacaria de Talbothays, onde conheceu Mr. Angel Clare, um jovem ambicioso, inteligente e que desafiava algumas verdades pregadas pela religião do pai, um clérigo tradicional e severo que ainda não lidava muito bem com o fato de que seu filho mais novo não seguiria o seu ofício nem compartilhava de uma fé tão certa e imutável quanto a dele.
Angel era um jovem atencioso, sonhador e talentoso, que desempenhou um papel fundamental nos que seriam, durante a história, os momentos mais felizes da mocinha que dá nome ao livro. Angel e Tess se tornam grandes amigos no período em que o rapaz está na vacaria para aprender a fim de ele próprio se tornar um grande fazendeiro. Angel compartilha com Tess suas crenças e descrenças e ele enxerga além da aparência abatida e essencialmente campestre de Tess. Há uma conexão quase que instantânea entre eles e o rapaz se vê cada vez mais apaixonado pela mocinha.
"Observou as próprias inconsistências em se demorar sobre acidentes na ida de Tess como se fossem eventos vitais. Amava-a por quem ela era; sua alma, seu coração, sua substância - não por sua habilidade na ordenha, sua vontade de aprender, e certamente não por sua simples e formal profissão de fé. Sua existência ao ar livre, pouco sofisticada, não requeria verniz algum de convencionalidade para torná-la palatável a ele."
O problema é que Tess havia feito um voto de nunca se casar em virtude dos acontecimentos de seu passado e jamais poderia contar a Angel, o seu perfeito Angel, os eventos obscuros que macularam seu corpo e condenavam sua alma para sempre.
Tess foi um livro que questionou incisivamente as regras de conduta da Inglaterra Vitoriana. Em determinado momento, Hardy é categórico: "Quem era o homem moral? Ainda mais pertinentemente, quem era a mulher moral?" e acrescenta: "A beleza ou feiura de um caráter não está apenas em seus feitos, mas em suas intenções e impulsos; sua verdadeira história não se encontra naquilo que realiza, mas naquilo que sonha". Hardy critica duramente os dois pesos e duas medidas de julgamento dos quais Tess se torna uma vítima, pois, apesar de ser verdadeiramente uma boa pessoa, ela acaba marginalizada devido à perda de sua virtude fora dos laços matrimoniais.
Além disso, a narrativa é repleta de referências tanto mitológicas e pagãs quanto bíblicas. Não raro, Hardy associa imagens de equipamentos avançados ao inferno, de modo a criticar a separação, ocasionada pelos avanços industriais, do homem e da natureza, que representaria o paraíso para o autor e, assim, muitas vezes a associa à própria Tess, "uma mulher pura", como descreve o subtítulo, e que também é representada como uma espécie de força da natureza, quase como uma deusa.
De todo modo, o autor traça uma representação fiel das mazelas vitorianas no que tange, especialmente, ao aspecto socioeconômico devido ao caótico momento de crise pelo qual a Inglaterra passava no momento em que a história é situada; e ele o faz com tamanho talento e maestria de modo a causar em nós, leitores, uma leitura vívida de forma a proporcionar um deleite tão grande, que fechar o livro antes de ler até o final torna-se uma tarefa árdua, dolorida e um tanto laboriosa, devo dizer, uma vez que mal conseguia conter meu sono às altas horas da madrugada e, ainda assim, permanecia a ler, como que por encanto pelas palavras poéticas de Hardy, a torcer por Tess. É por isso que Tess é um clássico venerado no mundo inteiro e por que eu o recomendo fortemente, leitura indispensável a todo amante de clássicos.