Higor 22/01/2017
'Lendo Nobel': sobre a ponta de um iceberg
A mais recente história de Llosa, ‘Cinco Esquinas’, recebeu enxurradas de críticas por ser considerado um livro vazio e algo que não estava à altura da vasta e honrosa obra do autor, com romances inesquecíveis e ensaios de clássicos consagrados. Verdade seja dita: quando o leitor gosta de um autor, sempre espera que ele escreva algo tão bom ou melhor que sua obra-prima, não sendo 'permitido' pelos fãs que ele escreva livros menos elaborados.
Desde ‘Travessuras da menina má’, (obra-prima de Llosa, que impulsionou, inclusive, o retorno dos livros do autor no Brasil, antes do Nobel), o descontentamento é grande. Três livros foram lançados depois, e com pouco entusiasmo por leitores que o acompanham, onde dizem que seus livros não são ‘grandes’, como antigamente.
‘Cinco esquinas’ funcionou, ao menos para mim, mais como um livro para pesquisa posterior sobre o contexto histórico do país que um suspense propriamente dito, daqueles que eu não conseguiria largar, apesar da leitura rápida. A vida dos casais de amigos, empresários em Lima, é sim interessante, assim como a catástrofe que os assola. Um jornalista sensacionalista tem fotos comprometedoras de Henrique, o que pode levar a ruína seu império. Tudo pincelado com um contexto histórico real.
O Peru dos anos 80 sofria na mão de Alberto Fujimori, reconhecido ditador que, sobretudo, violou de maneira impiedosa os direitos humanos, principalmente de mulheres. O que temos em ‘Cinco esquinas’, no caso, é a ponta do iceberg. Llosa aborda a sujeira de Fujimori através da mídia sensacionalista, a imprensa marrom. O Estado calando homens fortes e aparentemente indestrutíveis de maneira vergonhosa.
Henrique, chantageado, se vê obrigado a sustentar uma empresa pertencente ao presidente, pois, caso, contrário, o pior acontece. E daí uma sucessão de fatos impressionantes, mas esperadas, acontece. Fatos corriqueiros não somente no Peru, mas em qualquer lugar do mundo, sem citar o próprio sensacionalismo injetado na programação televisiva brasileira.
O que causou a frustração dos leitores é justamente essa, o aparente plot incrível, mas que foi pouco aproveitado; um iceberg inteiro disponível, mas que foi utilidade quase nada de sua massa. Sim, convenhamos que há, sim, cenas demais de sexo, e elas não acrescentam em nada a história, mas a grande impressão que ficou foi a de que, quando estão lendo um livro, os leitores se esquecem de quem o está redigindo. Esquecem o contexto histórico, as motivações e inspirações para que tal história pudesse ter saído da mente e colocada no papel.
Esquecem-se, ou talvez nem saibam, que Llosa foi candidato a Presidência da República do Peru, sendo derrotado pelo próprio Fujimori. Eventos importantes e desconfortáveis para o nosso autor, não? Como já dito, ‘Cinco Esquinas’ é apenas a ponta de um imenso iceberg. Conhecido pelos mais atentos; ignorado pelos leigos, mas que Llosa talvez não queira mexer tanto, quem sabe para evitar danos maiores, e irreparáveis. Logo, ‘Cinco Esquinas’, tal como está, basta; para ele, não para os leitores.
Este livro faz parte do projeto 'Lendo Nobel'. Mais em:
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