Zelinha.Rossi 10/10/2021
O livro conta a história de Martín Santomé, um homem prestes a fazer 50 anos e a se aposentar, que ora quer viver o ócio e ora tem medo dele, viúvo há mais de 20 anos e bastante solitário (devido aos pouquíssimos amigos e à difícil relação com seus três filhos) que, como ele mesmo diz, vivencia uma trégua em seu destino escuro ao conhecer o amor em Laura Avellaneda. Deixando de lado sua postura em alguns momentos machista e homofóbica (o que me incomodou bastante durante estes pontos da leitura, mas que infelizmente reflete o homem classe média da década de 60), o livro é excelente. Através da escrita em forma de diário, Martin faz muitas reflexões pertinentes e bonitas (ou descreve as de Laura) sobre a vida, o amor, a amizade, o trabalho (meu livro ficou cheio de marcações) e, em muitos momentos, dei boas risadas com sua visão irônica dos fatos. Também foi maravilhoso acompanhar a cidade de Montevidéu com seus cafés, prédios e praças, o que só aumentou minha vontade de conhecer o Uruguai. Uma obra sensacional de um autor que eu já havia gostado muito pela leitura de ?Primavera num espelho partido?.
?Ela diz que, em geral, as pessoas acabam se sentindo desgraçadas só por terem acreditado que a felicidade era uma permanente sensação de bem-estar, de êxtase gozoso, de festival perpétuo. Não, diz ela, a felicidade é bastante menos (ou talvez bastante mais, só que, de todo modo, é outra coisa), e o fato é que, na verdade, muitos desses supostos desgraçados são felizes, mas não se dão conta, não o admitem, porque acreditam estar muito longe do bem-estar máximo.?
?Como é ruim nos dizerem a verdade, sobretudo quando se trata de uma dessas verdades que evitamos dizer a nós mesmos até nos solilóquios matinais, quando acabamos de acordar e murmuramos bobagens amargas, profundamente antipáticas, carregadas de autorrancor, as quais é preciso dissipar antes de despertarmos por completo e de colocarmos a máscara que, no resto do dia, será vista pelos outros e verá os outros!?
?De repente, tive consciência de que aquele momento, aquela fatia de cotidianidade, era o grau máximo de bem-estar, era a Ventura.?
?Essa opressão no peito significa viver.?
?Sei que, quando vemos as coisas de fora, quando não nos sentimos envolvidos nelas, é muito fácil proclamar o que é mau e o que é bom. Mas, quando estamos metidos no problema até o pescoço (e eu estive assim muitas vezes), as coisas mudam, a intensidade é outra, aparecem profundas convicções, inevitáveis sacrifícios e renúncias que podem parecer inexplicáveis para quem apenas observa.?
??nada me fascinaria tanto como a Gente, como ver passar a Gente e esquadrinhar seus rostos, reconhecer aqui e ali expressões de felicidade e de amargura, ver como se precipitam todos rumo aos seus destinos, em insaciada turbulência, em esplêndida azáfama, e dar-me conta de como avançam, inconscientes de sua brevidade, de sua insignificância, de sua vida sem reservas, sem jamais se sentirem encurralados, sem admitir que estão encurralados.?