João Moreno 26/12/2016A Inconfundível Escrita de Murakami
Projeto “Evite o Emburrecimento durante as Férias Acadêmicas.
“(...) Mas acho que, se for pra escrever, melhor que seja, no mínimo, alguma coisa edificante pra você mesmo. Senão não faz sentido. Não é?” (p. 103).
Quando, lendo um livro de Murakami, me perguntam: “sobre o que se trata esse livro?”, demoro muito a responder. O pior: depois de muito pensar, a resposta que chega aos meus ouvidos não me agrada em nada. Para mim, desde 'Minha Querida Sputinik', meu primeiro livro dele, sempre foi difícil caracterizar a temática de suas obras.
Pergunto-me: seria uma exclusividade minha?
Haruki Murakami, parte da atual leva de escritores contemporâneos da literatura japonesa, é dono de uma “voz particular, única na língua japonesa”, segundo o próprio autor.
Voz de difícil caracterização que, de acordo com o livro '501 Grandes Escritores', define-se em sua “prosa coloquial, com pendor para o bizarro (…) e tendências diversas quanto ao Realismo Mágico e Ciberpunk”. (p. 608).
“Naquela época, eu acreditava sinceramente que, convertendo tudo em números desse jeito, conseguiria comunicar alguma coisa às outras pessoas. E que ter algo pra comunicar seria uma prova definitiva da minha existência”. (p. 85).
Ainda sobre esse estilo de escrita, que bebe no surrealismo, talvez os textos "Murakamianos" se pautem realmente no absurdo, que se mesclam às indissociáveis metáforas. Metáforas essas, nas palavras do autor, dotadas de ritmo próprio e construídas através de características únicas.
“Às vezes o dia de ontem parecia o ano anterior, ou o ano anterior se confundia com o dia de ontem. Nas horas mais graves, o ano seguinte se confundia com o dia anterior (…) Por muitos meses, por muitos anos, permaneci assim, sentado sozinho no fundo de uma piscina profunda. A água morna, a luz suave, o silêncio. O silêncio... (p.154).
Ainda sobre esse estilo, e aqui a repetição se faz necessária, Stephen Yeager, doutor em Literatura Inglesa, complementa: “fica sempre a impressão de que o que está ausente não foi perdido - na verdade, nunca se apresentou”.
“(...) traçava novamente seu caminho, retornado ao seu próprio mundo. Nesse caminho de volta, uma tristeza nebulosa sempre invadia seu peito. Aquele mundo que esperava seu retorno era vasto demais, poderoso demais, e ali ele não encontrava nenhum lugar para se refugiar.” (p. 170).
'Ouça a Canção do Vento' e 'Pinball 1973' são duas novelas que compõem os primeiros escritos de Murakami. Duas narrativas intercaladas que confundem:
“Em 1970, quando eu e o Rato passávamos os dias bebendo cerveja no J's Bar, (...)” (p. 210).
Talvez nestas duas obras não haja um temática protagonista: o cotidiano assume tons, a incerteza do futuro dita ritmos, a nostalgia, principalmente ela, assume formas:
“Um belo dia nosso coração se prende em alguma coisa. (…) Por dois ou três dias fica perambulando pelo nosso coração, depois volta pra escuridão de onde surgiu. Há poços profundos escavados nos nossos peitos. Pássaros cruzam o ar sobre eles”. (p. .210).
E a solidão permanece como marca indelével de suas linhas:
“Você não se sente sozinho, mesmo? - perguntou ela, mais uma vez, no fim. Enquanto eu procurava uma boa resposta, o trem chegou”. (p. 209).
E tão difícil quanto caracterizar as obras de Murakami, comentá-las tornou-se atitude ingrata: escrever sobre o que foi lido é como tentar agarrar com mãos enluvadas a brisa que sopra num longínquo verão. Ou então tentar descrever as sensações trazidas pelo acariciar do vento numa tarde distante.
A sensação que fica é a do toque das palavras. Da certeza que ali, em alguns - muitos - momentos, sentimentos foram despertos. E, na tentativa de atentar-se para estes, sobra-me um vazio. Ou o escape das palavras na memória; palavras, seus significantes e significados.
Fica também a sensação de me enxergar em seus personagens, suas contradições e dilemas:
“(...) Diversos perfumes passara suavemente pelo seu nariz e desapareceram. Foram muitos sonhos, muitas tristezas, muitas promessas. No fim, tudo desaparece”. (p.189).
E não importa quão marcante tenha sido a passagem de pessoas em nossas vidas. No final, Ela, a vida, sempre segue.
E como diria o próprio Murakami na primeira linha de Ouça a canção do Vento:
“Não existe nenhum texto perfeito. Assim como não existe desespero perfeito”
(p. 21).
É a sensação que fica ao tentar narrar o inenarrável, transcrever o 'intranscrevível”. Sentimentos estes, para mim, ligados de maneira inconfundível às obras de Murakami,
“Vendo de longe (…) qualquer coisa fica bonita”. (p. 208).
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