Stella F.. 23/02/2021
Belo!
É maravilhoso! Que doação de amizade dos dois escritores, empenhados em que cada um cresça nesse ofício que é a escrita. Vemos a evolução de dois escritores em início de carreira. Sem inveja, competição e boicote. E os diálogos nas cartas são pura poesia e de uma inteligência sem igual. Caminhos diferentes mas importantes para nós brasileiros, com muita perseverança e fé na arte.
Tudo começa quando Fernando Sabino recebe o livro Cartas Perto do Coração, da autora Clarice Lispector, que ele nunca tinha ouvido falar.
E fica tão intrigado e emocionado com o livro, que começam a trocar correspondência para falar da vida, das obras, dos problemas da existência, da família, enfim, tornam-se amigos, presenciais ou por carta, ao longo de muitos anos, com alguns intervalos, mas sempre presente um na vida do outro.
Clarice morou em Berna e depois em Washington, já que seu marido Maury era diplomata. Muitas vezes, por problemas de viabilidade, Fernando se disponibilizava a resolver junto a editores e editoras, publicações de Clarice, e a viabilidade de ela escrever para jornais.
Fernando também foi uma época para os Estados Unidos a trabalho, junto com sua esposa e filhos, depois se separou.
Todos tinham amigos em comum e se falavam e se visitavam com frequência.
É muito interessante como ajudavam um ao outro na sua escrita, como aceitavam a opinião do outro às vezes como verdade, como trocavam ideia sobre livros e amigos, e livros de amigos e sugeriam leituras um ao outro, como a leitura de Grande Sertão Veredas e suas impressões, e a amizade com Érico Veríssimo.
São tantas citações interessantes que é impossível falar sobre todas, são de uma beleza e uma profundidade, que vemos já desde os primórdios de suas escritas o que mais tarde se tornou a característica de cada um dos autores das cartas.
“Viver devagar é que é bom, e entreviver-se, amando, desejando e sofrendo, avançando e recuando, irando das coisas ao redor uma íntima compensação, recriando em si mesmo a reserva dos outros e vivendo em uníssono. Isso é que é viver, e viver afinal é questão de paciência”. (Carta para Clarice 6 de julho de 1946)
“Nosso livro é o nosso testemunho, Clarice, é a única coisa que nós temos. Nele é que aprendemos a viver nascendo, nele é que vivemos, viajamos, amamos, temos filhos, amigos – é a nossa realidade, nosso testemunho. Às vezes contra nós mesmos. Ele é que vai viver sozinho, vai agir pró ou contra, vai ter uma individualidade da qual não participamos, de filho pródigo que não retorna. Nós não, nós perdemos. Nós perdemos sempre, Clarice”. (Carta para Clarice 3 de agosto de 1946)
“Fernando, estou lendo o livro de Guimarães Rosa e não posso deixar de escrever a você. Nunca vi coisa assim! [] Estou até tola. A linguagem dele, tão perfeita também de entonação é diretamente entendida pela linguagem íntima da gente – e nesse sentido ele mais que inventou, ele descobriu, ou melhor, inventou a verdade. Que mais se pode querer? Fico até aflita de tanto gostar”. (Carta para Fernando 11 de dezembro de 1956)
“Sofrimento não é caminho, sofrimento como caminho só pode se falar no passado, dizendo o sofrimento foi caminho, só se torna “caminho” se levou a alguma coisa”. (Carta para Fernando 24 de janeiro de 1957)
E por fim, a maior prova de amizade entre os dois foi Clarice aceitar, quase que sem ressalvas, sugestões apenas sugeridas por Fernando Sabino, nas provas finais de seu livro “A Maça no Escuro”.
Apesar de interessante, foi a parte que achei mais arrastada desse livro de cartas.
Recomendo muito!