gdarosl 14/02/2013
As Reclamações de Portnoy
Ao abrir esse livro, sua personalidade fica presa no lado de fora das páginas, e você assume o papel do ouvinte e psicanalista O. Spielvogel, passivo em seu consultório, realizando uma consulta atemporal com o bem-sucedido, porém frustrado, advogado Alexander Portnoy. E assim tem início uma teia de relatos sobre um passado de mães rudes, pais dedicados e impotentes, famílias frustrantes e outros tantos motivos que costuram o véu de reclamações entaladas que cobre a vida protagonista.
O livro começa com um tiro no próprio pé – de espingarda de chumbo – por fatores idiomáticos: o nome original, Portnoy’s Complaint, usa o trocadilho inteligente da palavra Complaint, que é comumente associada ao termo “reclamação”, porém, também é utilizada para conotar enfermidades. Barreiras do idioma deixam essa brincadeira avulsa do título da obra, substituindo-o por “Complexo”, onde a dualidade da expressão não é tão explícita.
O resumo da trama cabe, de fato, em um único parágrafo. Mas tratando-se de Philip Roth, isso não é problema: a beleza desse livro está na minúcia dos detalhes. A voz de Portnoy – ora engraçada, ora hiperbólica – pinta um passado de preconceitos impostos pela família entre Judeus e “Góis” (não-judeus), traumas infantis por exposição à violência exagerada (porém teatral) dos pais, o erotismo descuidado, adolescência de revoltas, descobertas sexuais (vide masturbação e relações casuais) e o pavor do amor-compromisso. Quadros que, em sua raiz, levam o leitor a rir, imaginar, constranger-se e, por vezes, identificar-se.
Embora a narrativa, ou melhor, diálogo de 259 páginas, contenha torrentes violentas de emoções, há uma intriga que paira sobre O Complexo de Portnoy: deve o livro ser classificado como literatura de consumo, ou retrato da época? De modo desbocado, Philip Roth fala de questões sociais à flor da pele nos anos 60, como a liberdade sexual, questionamentos religiosos (por ira, reflexão ou revolta) e a quebra da ideia tradicional da vida monogâmica. Junto a fatores do século XX, há a presença bem elaborada de elementos clássicos, como os conflitos familiares, dilemas existenciais e a dúvida entre o desejo carnal e o romântico.
Tratando-se de desejo, um dos traços mais marcantes do autor, presente não apenas nessa obra, mas em boa parte de seu trabalho, é a abordagem icônica do Desejo. Roth tem a visão ciente e amadurecida para retratar o paradoxo da satisfação visceral, que sempre é engolida pela onda de vazio e descontentamento. O resultado dessa visão é uma esquematização realista (ou pelo menos, plausível) do ciclo entre frustração e sublimação da existência humana.
Nota-se, de modo especial, a forma que Portnoy se expressa. Repleto de jargões, referenciações da época (que exigem um glossário breve, porém imprescindível para a apreciação do livro), as lamentações do protagonista tem plausibilidade devido ao estilo desbocado e informal de expressar agonias, até então presas no fundo da alma de um personagem fictício, porém não menos real.
O Complexo de Portnoy, uma leitura simples, e que consagrou Philip Roth como um dos maiores romancistas do Século XX, é recomendado a todos que buscam um livro onde o vulgar e o culto misturam-se de forma cômica, dramática, e acima de tudo, humana.
- G.