Queria Estar Lendo 09/03/2017
Resenha: A Rosa e a Adaga
Cedido em parceria pela editora Globo Alt, A Rosa e a Adaga, sequência da duologia iniciada em A Fúria e a Aurora, encontra-se em meio a fantasia, política e um romance arrebatador, entregando aos leitores apaixonados um fim poético de tirar o fôlego.
Sherazade está longe de seu marido. Uma guerra ascende sobre os reinos, ameaçando o reinado de Khalid. Em meio a alianças e ameaças, Sherazade percebe que a melhor chance de salvar Khalid da maldição e impedir que essa guerra destrua tudo que lhes é precioso é arriscando-se em meio ao desconhecido. Traições e revelações importantes aguardam a jornada do menino-rei e da garota que encontrou seu coração.
"- Seja o início e o fim, Sherazade."
E bota traições e revelações nisso, senhoras e senhores. Alguns plot twists dentro da trama me deixaram de queixo caído por horas; um deles eu ainda não consegui superar!
"- Seu futuro não está escrito, minha estrela mais querida. Uma moeda dá muitas cambalhotas antes de chegar ao chão."
A narrativa da Renée traz, mais uma vez, aqueles entalhes poéticos que acabaram marcando sua escrita. É apaixonante, é devastador e é a melhor coisa para se ler em uma história assim. As palavras combinam com os sentimentos, e os sentimentos são tantos e tão variados quanto seu coração pode imaginar. Renée nos entrega um final arrebatador desde o primeiro capítulo até seu epílogo; uma despedida digna aos personagens marcantes que ganharam nossa atenção no primeiro volume. A Rosa e a Adaga é uma obra prima por prometer fantasia e romance e equilibrar ambos muito bem, sem fugir da tonalidade sutil que A Fúria e a Aurora já havia apresentado. Não há aqui uma grande expansão de conhecimento sobre magia e sobre o mundo, mas a promessa disso. O que importa é ver a história de Sherazade se desenrolando, suas conquistas e infortúnios, e é isso que a autora estende para seus leitores.
"Sherazade sabia que era Khalid. Ela sentiu mais do que viu. Como sempre. Como nunca. Como uma rosa sente o sol."
A Rosa e a Adaga mostra o poder do amor, em todas as suas nuances. E eu glorifico histórias que fazem isso. O amor é, de fato, a coisa mais poderosa de toda e qualquer realidade, e é ele que guia a trama dessa história. É o amor de Sherazade por Khalid, pelo menino-rei amaldiçoado, que guia seus passos nessa jornada de descobertas. É para proteger e salvar seu califa que Sherazade aceita riscos e se encontra como uma força. Ela é uma das personagens femininas mais bem escritas que já li exatamente por não se acovardar em relação aos seus sentimentos, por não tratar o amor como algo menos poderoso que qualquer outra emoção. Sherazade aceita e luta por ele, guia os outros a fazer o mesmo. Ela é uma força indestrutível por ele. Uma voz a ser ouvida, uma mulher cheia de poder. O modo como a autora desenvolveu a presença de Sherazade em uma sociedade tão dominada por homens - não só ela, mas também outras personagens das quais já falarei - é digno de aplausos. Toda a luta da protagonista é bastante sutil, entremeada por discursos sagazes, ainda que Sherazade seja explosiva quando necessário, e importante. Toda e qualquer cena de Sherazade é importante.
"- Porque sei que há mais por trás disso. Sei que é a rainha de uma cidade destruída e de um reino na iminência de uma guerra. Que seu rei é um monstro."
É válido falar que o livro não se apoia somente na jornada dela pela salvação do seu amado, mas se expande muito além disso. Temos Khalid, distante da Sherazade, precisando lidar com as consequências da tragédia que recaiu sobre sua cidade no fim do outro livro. Ele é um rei, afinal de contas, o governante de uma nação. A maldição que recai sobre ele não o impede de se arriscar para proteger aqueles sob seu comando; Khalid é muito altruísta e preocupado, distante do monstro que as histórias pintam sobre ele. É um personagem complexo e bem desenvolvido, que entregou seu coração e seus segredos para uma mulher e se curvaria diante dela sem hesitar. Sua confiança em Sherazade vai além do horizonte e dos oceanos e é uma coisa poderosa de se ler. O relacionamento dos dois é bastante empoderador, com Khalid colocando a esposa ao seu lado como sua igual, ouvindo suas ideias, aceitando seus conselhos, apoiando suas iniciativas. Apesar da distância entre eles, você sente a união dos seus corações através das páginas.
"- Você é tudo o que sou.
- E você é tudo que serei."
Uma coisa que esses livros fazem incrivelmente bem é empoderar as personagens femininas deles. Elas são reverenciadas, são ouvidas e participam do que desejam. Elas não são deixadas para trás por sua fragilidade ou medo, julgadas por sua ousadia. Elas são fortes em toda a sua presença, e a história abraça isso. Sherazade e seus discursos inspiradores, suas palavras e histórias capazes de mover montanhas. Irsa e sua doçura e ingenuidade, sua coragem para proteger aqueles que ela ama. Despina e sua personalidade escorregadia, suas atitudes inesperadas e intrigantes. Yasmine e seus traumas e dores do passado, sua vontade de superar isso e se encontrar.
"- A verdadeira força não é soberania. É reconhecer quando precisa de ajuda e ter coragem de aceitá-la."
Outros personagens bastante importantes na trama são Tariq e Irsa. O outrora interesse amoroso de Sherazade e a irmã da mesma.
"Entendeu o que significava se sentir em casa, onde quer que estivesse. Como se pertencesse a todo instante, em qualquer lugar, a qualquer hora."
Tariq foi a minha maior surpresa do livro, e graças à deusa por isso. O rapaz que perdeu a mulher de sua vida para o monstro de Khorasam teve o melhor crescimento dentro da história, fugindo do clichê de interesse amoroso amargo e ressentido para ganhar um final grandioso. Ele está do lado da rebelião, desejoso a ver o rei-menino cair, mas as forças dentro da história acabam por colocá-lo a tomar decisões inesperadas, mudando o rumo do jogo. Uma das interações entre ele e Khalid me deixou sentada num cantinho chorando feito um bebê pela intensidade das palavras e das emoções deles, o modo maduro com que a narrativa tratou aquilo.
"Mas sofrimento muda tudo. Porque é fácil ser bom e gentil em tempos de fartura. Os tempos difíceis eram os que definiam um homem."
Irsa, minha querida Irsa, foi outra surpresa. A irmã de Sherazade ganhou um arco gigantesco e maravilhoso. A garotinha assustada que se viu envolvida em uma guerra, uma guerra que foi começada pela própria irmã. Seu pai está distante, Sherazade tem os próprios problemas, mas Irsa está ali. Ela se faz notar. Ela não é o tipo de personagem que briga e discute e enfrenta, mas lida com as situações racionalmente, de acordo com as emoções. E ela tem emoções demais. Suas conversas com Sherazade foram emocionantes, especialmente por Irsa ainda estar se encontrando nesse mundo caótico sombreado por uma guerra. Ela ainda é uma criança ingênua, mas também uma jovem mulher disposta a se fortalecer. Rahim, melhor amigo de Tariq e um dos soldados da guarnição do mesmo, se aproxima de Irsa e se torna uma peça fundamental no arco dela. Um romance sutil, doce e precioso do tipo que jovens almas inexperientes precisam viver para entender mais do universo. Rahim foi um coração e uma presença e certamente um dos meus favoritos dentro desse segundo volume.
"- Já que não pode dizer, pode ao menos me contar quanto me ama?
- Das estrelas, para as estrelas."
A parte fantástica seguiu o mesmo princípio do segundo volume: ela está ali e ela importa, mas não é a peça central. Não precisa-se dela para ter todo o desenvolvimento da trama. A magia ancestral circundando o mundo deles e as histórias ricas em lições que vêm da Sherazade são importantes para você entender até onde essa história vai.
Despina e Vikram também foram essenciais para a história. Jalal ficou um pouco apagado, mas eu entendo dados os acontecimentos no meio do livro. Ele não desapareceu e nem foi esquecido, mas seguiu o que foi dito pela história e se afastou do seu califa.
Os personagens trouxeram grandes viradas de trama, principalmente os que não irei citar. A maravilha sobre esse livro está em sua simplicidade e na delicadeza com que a Renée entrega todas as reviravoltas. O fim pode parecer apressado, mas ela deu vislumbres dele desde o primeiro volume. A única coisa que destoou um pouco na narrativa foi o epílogo, mas ele foi uma espécie de fanservice, e vocês conhecem o ditado: sou fã, quero service.
A edição está impecável. É o tipo de livro que você pega na mão e quer colocar em um pedestal; eu amo as capas brasileiras desenvolvidas pela Globo Alt e acho que o mundo deveria usá-las. Diagramação e revisão também estão excelentes. O livro todo é uma obra de arte.
"- Não é preciso coragem para matar. Mas é preciso coragem para viver."
Obrigada, Renée, por me entregar uma história que fala sobre amor e magia e sobre o entremeio deles. Obrigada por contar as mil e uma noites e além de Sherazade e Khalid e todos esses personagens, por fazer desses livros uma das histórias que eu gostaria de ver sendo contado de uma rainha para o seu rei do anoitecer até a aurora.