Queria Estar Lendo 02/08/2020
Resenha: Cartas para Martin
Na resenha de hoje vamos falar um pouco de Dear Martin, o livro de estreia da Nic Stone que ainda não foi lançado por aqui (embora deveria ter uma fila de gente querendo publicar!). No livro, Justyce, um jovem negro que sofre profiling da polícia quando tenta ajudar sua ex-namorada, passa a escrever para o Dr. Martin Luther King Jr. enquanto tentar aprender a lidar com o racismo sistemático da sociedade.
Cartas para Martin é o tipo de livro que é um soco na cara. A história começa quando Justyce é colocado em algemas por um policial que "pensou" que ele estava tentando roubar um carro. Justyce estava apenas tentando impedir que sua ex, completamente embrigada, dirigisse até em casa. Mas, para o policial, não importava que ele só quisesse ajudar, ou que ele fosse bolsista de uma das escolas mais prestigiadas da região, ou que tivesse pela frente um futuro brilhante em alguma universidade Ivy League, tudo que importava era a cor da pele dele.
O episódio de profiling - que é quando a polícia age com base em um "perfil" que considera criminoso, no caso jovens negros - marca Justyce profundamente, fazendo-o focar ainda mais nos episódios de violência truculenta da polícia contra jovens negros desarmados. Porque, apesar de aprender desde cedo sobre como o mundo funciona com dois pesos e duas medidas para pessoas brancas e negras, nunca achou que ele mesmo fosse sofrer esse tipo de violência.
A partir de então, Jus começa a escrever para o Dr. King, procurando encontrar nos ensinamentos do homem que viveu há mais de 50 anos e lutou pelo fim da segregação racial e pelos direitos civis, uma forma de enfrentar o racismo que permanece sistemático, arraigado e cruel sob uma falsa pretensão de que somos todos iguais.
"Você já considerou que talvez não seja para você "encaixar"? Pessoas que fazem história raramente se encaixam."
Até o dia em que Jus e Manny, seu melhor amigo, acabam em uma discussão no trânsito onde palavras são trocadas e tiros disparados. De repente, os ensinamentos do Dr. King não fazem mais sentido algum.
Preciso dizer que chorei muito com o livro - e ele tem cerca de 210 páginas. Dear Martin foi uma história que me emocionou demais, e me deixou com muita raiva também. Pela injustiça, principalmente. Mas também pelas pessoas brancas que continuam insistindo na ideia de que somos "uma sociedade que não vê cor" e, por tanto, se recusam a ser anti-racistas e combater um sistema que trata a morte de jovens negros como banal.
Que trata o direito de jovens negros à vida, como menor do que o direito de um homem branco ao sossego.
A narrativa da Nic foi bastante diferente do que eu estava acostumada, mas já nas primeiras linhas ela me apresentou um protagonista altamente cativante e divertido. Jus conquista a gente com suas primeiras palavras e atitudes, e conseguimos entender todo a sua trajetória. Toda a forma como ele responde as situações que aparecem a sua frente e como ele lida com a dor, com a raiva, com o incerto.
"Você não pode mudar como as pessoas pensam ou agem, mas você está em completo controle de si mesmo. Quando chega a isso, a única pergunta que importa é: se nada no mundo mudar, que tipo de homem você vai ser?"
É, verdadeiramente, um livro de auto-descoberta e crescimento. Dear Martin fala sobre como lidar com a forma como o resto do mundo te vê, e como isso quase nunca é quem você é de verdade. Fala sobre como enfrentar a frustração, o medo, a raiva, se descobrir mais forte do que achou que era e encontrar um propósito quando nada parece fazer sentido. Quando parece não existir mais nenhum ponto em seguir em frente.
Em 210 páginas, Nic Stone me fez rir, chorar e refletir. Me fez sentir perdas de forma muito profunda, me fez reavaliar aquilo que eu achava que estava fazendo para ser anti-racista, e mostrou, de forma clara, simples e até didática, se assim você quiser, que ainda estamos muito longe de alcançar a igualdade de direitos na prática, e que enquanto continuarmos nos sentindo ofendidos por essa discussão e batendo na tecla de uma "sociedade que não vê cor", vamos continuar matando jovens negros que tentaram ajudar uma pessoa com o carro quebrado, que estava brincando no quintal de casa ou que dirigia um carro de luxo rua abaixo.
"Eu tenho uma memória do dia em que tudo aconteceu: dores agudas pelo meu peito e ombro, e então não ser capaz de respirar. Naquele momento, quando pensei que estava morrendo, me dei conta: não importa o quão bom Martin tenha sido, eles ainda o mataram, cara."
Não tenho nem palavras para dizer o quanto eu recomento Dear Martin - principalmente se você já leu O Ódio que Você Semeia, duas leituras que deveriam ser obrigatórias, em especial para jovens em idade escolar.
site: http://www.queriaestarlendo.com.br/2019/03/resenha-dear-martin-querido-martin.html