Retipatia 05/11/2018
Roseiras não feitas apenas de rosas, mas também de espinhos...
Quando garoto, Alejandro passa por uma desilusão amorosa muito dolorosa: a garota de quem sempre gostou parte para a Europa para se tornar uma modelo internacional, frustrando qualquer chance de um relacionamento entre os dois. Os anos passam e Alejandro agora é um jovem que comodamente ainda vive com os pais, mesmo tendo um emprego rentável na Munhoz Corretora de Seguros. Mesmo com a pouca idade, ele já exerce um dos cargos de maior confiança na seguradora e é responsável pela aprovação e reprovação de diversos contratos, o que acaba lhe rendendo também diversos 'extras'. Além disso, ele passa boa parte do seus fins de semana ajudando seu pai na loja de móveis que sustenta a família, na cidade de Curumim, seguindo uma rotina impecável.
Sua vida sai do lugar comum com a volta do seu antigo amigo de escola, Roberto Chamas, conhecido pelo nome de Rob Fyre, já que agora ele é um astro do rock mundialmente famoso, como vocalista da sua banda S.A.M. - Sons At Mud. Depois de um reencontro feito pelo próprio destino na loja de móveis do pai de Alejandro, que é habitualmente - e erroneamente - chamado de Alessandro, os velhos amigos partem para as badaladas noites de Curumim, levando consigo a jovem e atraente Kaline, que trabalha na loja de móveis e chamou a atenção de Rob.
Num compasso bem distinto, a parisiense Eveline chega a Curumim desalojada e se instala na casa do pacato Olívio, que acabara de conhecer. O que o rapaz não faz ideia é de que a provocante hóspede tem planos bem articulados para colocar em prática na cidade. Nossa mocinha (se é que podemos chamá-la assim), vai até o Sanatório Isaque Alban, visitar o tio que está instalado na instituição. Vingança é um prato que se come frio e ela sabe bem como esperar. Contudo, seus planos restam malfadados ao descobrir a falência do tio Celso G., ainda mais com a negativa do seguro em pagar a indenização devido ao seu estado de saúde.
Ainda assim, Eveline se delicia com a recepcionista do Sanatório Alban, a doce e propositadamente ingênua, Lucy. E, entre devaneios sobre um passado que insiste em lhe visitar através de sonhos aterradores, a jovem reformula seus planos e passa a ter um novo objetivo. E ninguém será capaz de interpelá-los.
Enquanto isso, Alejandro se vê diante de uma possibilidade que, até então, lhe era inconcebível: a possibilidade de amar novamente, além de surgirem problemas em seu trabalho . Mas, nada será fácil ele, um reencontro do passado fará toda sua perspectiva alterar-se e, o jogo da vida de todos os personagens, também.
Uma roseira. Os galhos intrincados em várias direções, o perfume suave e marcante, inconfundível da flor rubra instala-se no olfato, o toque mais suave que seda das pétalas acariciando a pele em contraste à aspereza e rudez dos espinhos. Machucam, ferem, marcam. Não há outra forma de descrever Ácido & Doce, a história que é tanto rosa quanto espinho.
Como o contraste entre flores e espinhos, a narrativa alterna entre dois pontos de vista em primeira pessoa: a de Alejandro e a de Eveline, tendo ainda como Prólogo e Epílogo um narrador onipresente que nos mostra detalhes da vida destes dois personagens de uma maneira que nem mesmo os próprios seriam capazes de nos fazer.
Quando contada do ponto de vista de cada um dos personagens, não há dúvidas de quem estamos acompanhando. Miguel apresenta tão bem o estilo dos personagens que, até o jeito de se expressar em pensamentos é coeso à criatura criada. Alejandro tem um tom que chega a ser metódico, pensado, quase ensaiado na sua ilusão de perfeição da vida que segue. Eveline tem em mente o que precisa ser guardado, a sagacidade de atitudes que refletem em seus pensamentos. E, nesse ponto, a narrativa é fiel a cada um dos personagens esboçados.
Nas curvas dos galhos da roseira temos a história em si. Bem pensada, articulada. Cheia de curvas, flores e espinhos em seu caminho. Dá voltas e reviravoltas, como próprios ramos da roseira. Para, segue, respira. E revolta novamente, apenas para fechar em suspense, muitas suspeitas, quase nenhuma certeza, muitas surpresas e, claro, expectativa acerca da continuação da história.
Além da construção da história, que faz muito bem seu papel de prender a leitura e lhe fazer virar as páginas com rapidez, há que se lembrar da excelente construção dos próprios personagens. São mistura de rosa e espinho, de ácido e doce, cada um deles. Não há mocinhos ou mocinhas. Tampouco vilões e vilãs. É uma linha tênue em que não existe time para se torcer. Não há certo e errado ou bom ou ruim. O que temos são indivíduos motivados por seus interesses, tal qual no mundo real. E, exatamente por essa razão, Eveline e Alejandro, assim como todos os demais personagens, não são apenas sombras de pessoas. São pessoas. Como eu e você, cheios de verdades ocultas, desejos inominados, pensamentos errôneos, decisões acertadas e erradas, injustiçados e justiceiros.
Tanto quanto nossos protagonistas, os personagens secundários são importantes. Eles mudam a trama, mudam o destino e, por vezes, tratam de mudar os próprios narradores da história, seja ou não de maneira positiva. Kaline, Celso G., Rob Fyre, os pais de Alejandro, e muitos outros. Em todos há um que de céu e inferno para nossos personagens principais. Ou, um quê de ácido e doce, um quê de rosa e de espinho. É como no efeito borboleta, um simples bater de asas pode gerar um furacão. E teremos muitas reações às ações ocorridas em A & D.
Particularmente, preciso citar minha grande empolgação para com a personagem de Eveline. Moldada por seu passado traumático, ela se tornou de rosa à espinho. Mas não apenas isso, tem garra, força de vontade e sabe se virar. Ainda que não politicamente a pessoa mais correta que você irá encontrar ao cruzar uma esquina (não defendendo várias das coisas que ela faz, melhor frisar... rs), mas a personagem foi moldada por espinhos e sua roseira anda carecendo de botões. Ela tem sua sexualidade aflorada e a usa de modos positivos e negativos, sendo, quase sempre, válvula de escape ou elemento de barganha para suas necessidades. Infelizmente, essa é das moedas que lhe fora ensinada.
Da mesma maneira, preciso expressar meu profundo desagrado com Alejandro. Não, não seria desagrado, poderia parecer que o problema é na descrição do personagem. A questão envolve quem ele é e como se camufla para si mesmo de bom samaritano, em como é puro espinho disfarçado de rosa. É o tipo de cara que se acha completamente correto, mas não passa de um arrogante oportunista e machista. E enfadonho, devo acrescentar (certeza que Rob concorda comigo... rs). Seu mundo perfeito rui num piscar de olhos. Ele é o personagem mais influenciável de toda a trama e, infelizmente, seu ego não permite que ele veja sequer um pouco da realidade. Tem um trauma absurdo para um amor de menino que nunca pôde aproveitar e se recusa, por mera covardia, viver qualquer coisa que lhe tire do seu lugar comum.
Deixando os personagens um pouco, outros pontos do livro merecem atenção. O livro é sensual, não chega a ser considerado um livro hot, mas há cenas quentes que, bem descritas (destaque-se), compõem a narrativa e não são encaixadas apenas para inserir cenas de sexo na história, como em muitos livros hot ou com uma pegada sensual. Acompanham a narrativa e não são quebra de continuidade (detalhe aleatório: Eveline, você não sabe como esperei por isso, garota! ahaha).
As páginas de Ácido & Doce foram viradas com curiosidade, buscando cruzar as folhas, cheirar as rosas e - tentando - não se espetar nos espinhos e, porque não dizer (?), deixou rastros. A história é do tipo que, ao terminar, te faz pensar não apenas no que virá a seguir na vida dos personagens, mas também refletir, agora que as cartas foram lançadas à mesa, sobre seus comportamentos, expectativas, esperanças, erros e acertos. Raphael conseguiu criar um romance com estilo urbano - com um salve pela valorização do território brasileiro para acontecimento da trama - em que tudo se assemelha à vida cotidiana, ainda que com alegorias e assuntos fortes e que precisam ser debatidos. Não há donzela em perigo ou príncipe encantado aqui e não precisamos de nem um nem do outro, convenhamos. Tudo que é preciso, está lá, tudo que é necessário para lhe fazer apegar à história e, como todo bom livro, desagradar de um ou outro personagem, e agradar de outros, exatamente como a vida tende a nos desagradar e agradar com facilidade.
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