Coração tão branco

Coração tão branco Javier Marías




Resenhas - Coração tão branco


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Alê | @alexandrejjr 27/04/2019

Digressões sobre segredos

O que acontece quando você se depara com um autor que te cativa de uma maneira completamente diferente? Foi essa pergunta que fiz a mim mesmo ao ler mais um romance de Javier Marías. E a resposta, muito simples, veio logo após terminar este livro: surpresa.

Neste "Coração tão branco", muitas vezes indicado para conhecer este autor espanhol, as palavras são protagonistas. O estilo de Marías, muito peculiar devido ao seu gosto pelas digressões que percorrem as páginas, pode não agradar certos leitores. Mas há beleza na maneira como ele coloca suas ideias. Há beleza na maneira como suas palavras são dispostas. E há, ainda, beleza nos questionamentos sobre temas caros ao autor, como o segredo, a morte, e, no caso específico deste livro, o relacionamento a dois. A história de Juan, o protagonista, e o mistério que percorre sua família tornam-se apenas a base para pulos mais filosóficos. O trabalho de Juan como tradutor; a maneira como ele conhece Luisa, sua esposa; sua relação com Berta, amiga de longa data; o papel de seu pai, Ranz, em sua vida; tudo, cada detalhe de cada núcleo é muito bem explorado. Em cada parte da vida do protagonista somos convidados a examinar, julgar, questionar e entender como a nossa própria vida funciona. Por que o segredo é necessário? Por que devemos contar algo que sabemos que pode afetar outra pessoa? De que maneira um segredo afeta nossa vida, por menor e mais inofensivo que ele seja? O que se perde e o que se ganha quando se vive a dois? Em “Coração tão branco” todos esses questionamentos são pulsantes.

A cada página virada tinha a sensação de que podia visualizar a história na minha frente, como se estivesse vendo um filme, mesmo com a raríssima aparição de diálogos durante a narrativa. Não são todos os momentos, claro, mas em algumas partes tive a sensação de fazer parte desta história, de ser íntimo de Juan, ser seu confidente. Livro e autor recomendadíssimos!
Amanda.Santiago 14/05/2021minha estante
??????


Alê | @alexandrejjr 14/05/2021minha estante
Só boas lembranças desse livro, Amanda! Num futuro nem tão distante pretendo realizar uma releitura. ?


Amanda.Santiago 15/05/2021minha estante
Eu tb!


Mahira Caixeta 15/05/2021minha estante
Foi o primeiro que li dele e também me marcou muito ??. Preciso voltar a ler as coisas que ele escreve


Alê | @alexandrejjr 17/05/2021minha estante
Vale um retorno ao universo ficcional do Marías, Mahira. Eu indicaria ir em "Os enamoramentos".


Cris 28/06/2022minha estante
Cada resenha sua, um livro que vai para a minha fila de aquisição e leitura. Rsrsrsrs...


Alê | @alexandrejjr 28/06/2022minha estante
Obrigado por ler e comentar, Cris! E te digo o seguinte: se tem um livro que merece ir pra fila de aquisição, esse é o livro. Top 10 leituras da minha vida.


Marilia Verdussen 28/06/2022minha estante
sh


a lá os pulos filosóficos...


Alê | @alexandrejjr 29/06/2022minha estante
Marília! Dá mais uma chance pro homem! Tenta esse aqui.


Eduardo Vainer 17/06/2023minha estante
Eita, um dos melhores romances que você já leu e não deu 5 estrelas, Alê. Que exigência é essa rs?




*Carina* 01/07/2010

Imprevisível, irrecuperável e irremediável
“(...) as mulheres sentem uma curiosidade sem mescla, sua mente é indagatória e bisbilhoteira mas também inconstante, não imaginam ou não antecipam a índole do que ignoram, do que pode vir a ser averiguado e do que pode vir a ser feito, não sabem que os atos se cometem sozinhos ou que uma só palavra os põe em marcha, precisam experimentar, não prevêem, talvez estejam dispostas a saber quase sempre, em princípio não temem nem suspeitam o que se possa contar-lhes, não se lembram que, depois de saber, às vezes tudo muda, inclusive a carne, ou a pele que se abre, ou algo que se rasga.”

“Coração tão branco” teve precisamente esse efeito em mim: tudo mudou, minha pele abriu-se e minha carne foi rasgada. Fui cortada pelo livro como podemos ser raras vezes na vida, justamente em momentos em que nos permitimos não imaginar, nem antecipar, nem temer. Em “Coração...” Javier trata de questões que acredito serem caras a qualquer um que se interesse pelas desventuras humanas que vivemos a cada dia. Ele fala da força das palavras e do silêncio, do saber e do fazer, do não-pensar, do medo, do escutar e do dizer, do que é uma vida a dois. Acima de qualquer coisa fala do que é imprevisível, irrecuperável e irremediável: a vida.

O enredo em si não foi o principal na minha leitura, é uma história muito interessante, que começa com um acontecimento impactante e desperta interesse no livro. Mas a partir daí o que me moveu palavra após palavra, o que me tirou o fôlego, cortou a carne e apertou o coração foi a escrita de Javier. O modo como ele faz um ensaio sobre o humano, sobre sentimentos, relacionamentos, vida e morte, mas sem em nenhum momento dar a sensação de teorização. Ele está ali. O que ele escreve é parte dele que foi rasgada para ser oferecida a quem lê. O tempo inteiro a palavra que me vinha ao ler ou comentar o livro era a mesma: vida.

Então, o que tenho de mais importante para dizer sobre "Coração tão branco" é isso: é um livro vivo. As palavras de Javier cortam, rasgam, dilaceram, e acho impossível que alguém as leia sem ficar marcado para sempre. Mas apesar disso - ou talvez exatamente por essa razão - é um livro que indico para qualquer um que queira se aventurar nas agruras da alma humana.
DIRCE 30/11/2010minha estante
Oi Carina!
Adorei sua resenha e o livro, embora ele não tenha causado em mim o impacto que causou em você.
Tenha uma feliz tarde.
abraços.


silcarina 25/04/2014minha estante
Adorei seu texto, mas não o livro. Para mim não fluiu, narrativa arrastada. Mas isso é questão de gosto. É alta literatura, não deixa indiferente como você disse, mas repetia para mim mesma "coração tão branco e livro tão chato". Não me identifiquei.


Renan 11/04/2018minha estante
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GilbertoOrtegaJr 09/07/2016

Coração tão branco – Javier Marías
Coração tão branco fazia parte de uma grande porcentagem de livros que tenho na estante para ler, mas acabo me esquivando da leitura por suspeitar que vou gostar do livro. Na primeira leitura o que eu acabei de escrever parece não ter sentido, mas vou explicar de forma mais clara; acabo evitando ler de uma vez todos os livros que eu suspeito que vou gostar, pelo simples medo de depois só me sobrar para ler livros medianos ou fracos. Mas como, vergonhosamente afirmo, eu ganhei este livro a mais de um ano, já se fazia mais do que necessário que eu o lesse, então nada melhor do que ler ele para tirar as dúvidas.

Juan e Luísa são intérpretes e tradutores, e recém-casados, ambos se conheceram trabalhando para organismos internacionais, em um evento com dois importantes líderes mundiais nos anos 80. Desde que se casou Juan é perseguido por um pressentimento de que algum desastre acontecerá, e durante sua viagem de núpcias, em Havana, acaba acontecendo um pequeno incidente, onde ele é confundido com outra pessoa, ao mesmo tempo em que sua mulher está doente no quarto de hotel.

De forma entrelaçada a história de Juan e Luísa, está o fato que que Juan acaba conhecendo a história de sua tia Teresa, que é irmã da mãe de Juan, e primeira esposa de Ranz, o pai de Juan, que se suicidou logo após voltar da sua lua de mel em Havana, sendo que o motivo pelo qual ela fez isso é um mistério a grande maioria dos personagens. Temos também a história de uma amiga de Juan, que se encontra com homens através de uma agencia de encontro, e quando Juan passa uma temporada em sua casa ele acaba a ajudando a conhecer um misterioso pretendente.

Coração tão branco não é de forma alguma um livro que flui de forma rápida e leve, ao contrário ele é profundamente equilibrado, com um tom descritivo e com uma grande gama de reflexões, mas isso não quer dizer que ele seja chato, ao contrário isso só é uma mostra de que dentro do livro e da trama ele é substancioso, rende assuntos para se pensar. Ao mesmo tempo em que a narrativa é descritiva e densa aquilo que não é narrado também é tão denso quanto, o não dito, não somente para os personagens como também para nós leitores, é a comichão que nos faz criar teorias ou ir buscando juntar tantas pistas quanto Juan sobre o que pode ter acontecido para que sua tia se se suicidasse.

Uma imagem que notei em Coração tão branco, e que eu acreditava que viria em romances posteriores do Javier Marías, é o protagonista como uma espécie de expectador da vida de terceiros, assim como é leitor é um tipo de expectador da vida dos personagens. Juan e Luísa, ao mesmo tempo que são expectadores, também são integrantes da vida de quem eles observam, deixando assim claro que ninguém é só expectador.

Apesar de em alguns momentos ser um livro maçante e lento, em geral minha experiência com Coração tão branco, que foi meu primeiro contado com as obras de Javier Marías, foi muito bom, é um livro para se degustar aos poucos e ir pensando em tudo aquilo que é narrado, não me surpreendeu quando ao acabar a leitura este livro parar entre meus favoritos, e sua força narrativa reside não só ao criar uma trama, como ao retratar a vida em suas várias nuances, de forma bela e envolvente.

site: https://lerateaexaustao.wordpress.com/2016/07/09/coracao-tao-branco-javier-marias/
Renata CCS 11/07/2016minha estante
Ótima resenha, Gilberto. Também estou com este livro há tempos na fila de leitura, sempre postergando a leitura...


Tati 11/07/2016minha estante
Que ótima resenha! Eu gostei muito de Os enamoramentos do Marías, esse tá aqui na fila :)


GilbertoOrtegaJr 11/07/2016minha estante
Obrigado Tati, eu tenho mais dois na fila dele, Assim começa o Mal e Os Enamoramentos, mas tem que estar no clima para ler, é uma leitura mais do tipo que o leitor vai degustando eu acho




Jacy.Antunes 26/12/2021

O poder das palavras
Javier Marias consegue a partir de uma tragédia ( o suicídio de uma jovem recém casada) construir uma trama baseada em Shakespeare. No livro Lady Macbeth esfaqueia o rei Duncan morto para não continuar com o coração tão branco, ou seja , assumindo também a autoria do crime.
O conselho do pai ao filho recém casado mostra o poder das palavras e a importância do silencio em uma relação.
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DIRCE 30/11/2010

Insólita jronada
No início, confesso que tive uma dificuldade danada de engrenar na leitura deste livro. Foi tal qual as rodas de um carro tentando sair da lama: patinando, patinando e patinando, mas apenas no início, pois logo me entreguei a leitura com ansiedade e interesse culminado, no final, em êxtase, sem aos menos me dar conta da ausência quase que total de parágrafos e da narrativa prolixa ( a ponto de ficar sabendo que Juan jogou a sacola de plástico no lixo).
Dentre muitos temas que o livro trata estão as escolhas e, eu, me senti a escolhida. Escolhida por Juan ( o narrador) para mergulhar em seus pensamentos, em seus colóquios ( em português – Juan era intérprete, risos) e descobrir o que ele não quis saber,mas soube.
Tornei-me cúmplice de Juan, pois ele me segredou suas inquietações, suas incertezas, suas desconfianças, seus receios, seu medo em relação ao kit casamento: a rotina e a possível perda de identidade do casal, segredou-me até a sua compaixão por quem busca o que todos buscam: ser feliz (ainda que essa busca esteja longe de ser ortodoxa; como a de Berta).
Embrenhamos-nos juntos nessa insólita jornada, eu, seguindo Juan paulatinamente.Muitas vezes me vi obrigada a reler seus pensamentos para poder entendê-lo e, entender a sua preocupação com as palavras, com a “leitura” feita por quem as ouve (não foi uma interpretação errônea de uma frase dita por Tereza que provocou um gesto monstruoso e um outro desesperado? ) com o poder de persuasão que ela emana , um poder intrinsecamente ligado à iniqüidade da língua, uma vez que, ela pode, como uma víbora, expelir veneno.
Palavras...elas são no mínimo polemicas. Creio que cabe aqui uma colocação acerca do título: Coração tão branco.
Desde o momento em que a Paulinha indicou o livro em seu Grupo, para a leitura do mês de novembro, o título despertou minha curiosidade. Soube que ele provém de "Macbeth" (W. Shakespeare ), mais especificamente, da frase sussurrada por Lady Macbeth ao marido, que acabara de assassinar o rei Duncan: "Minhas mãos são de tua cor; mas me envergonha trazer um coração tão branco".
Entretanto, tomar ciência da origem do título , não foi o bastante para me esclarecer o seu real significado. A primeira vez que o li, julguei que significava coração "blindado". Depois pude perceber, pela resenha feita pela Sylvia , aqui no Skoob, que ela entendeu como um coração imaculado. Será? É...acho que sou obrigada a concordar com ela. Mas como saber se ela está certa se o próprio Juan questiona: (...) a não ser que " branco" queira dizer aqui "pálido e temeroso" ou " acovardado" . (pág. 69)
No final da nossa jornada, me perguntei qual seria a cor do pensamento e obtive como resposta , que os de Juan, sem dúvida, eram branco e preto, mas no final, após Juan apaziguar sua inquietações, ele quase que toma a cor do arco-íris e até deixa entrever o "pote de ouro".
Amandha Silva 16/12/2010minha estante
Não li ainda, não consegui cumprir o prazo da sociedade...
Mas agora quero lê-lo mais ainda.
Maravilhoso o que escrevestes, espero ter as mesmas impressões, ou pelo menos parecidas.
Abraço!


DIRCE 21/12/2010minha estante
Obrigada, Amanda.
Eu penso que nossa impressões serão no mínimo parecidas.
bjs


Zé Pedro 29/12/2011minha estante
Dirce, instigou-me a conhecer o autor!




Lilian 09/07/2022

Extasiante!
"Como você está vendo, nossa vida não depende de nossos feitos, do que fazemos, mas do que se sabe de nós, do que se sabe que fizemos."

" 'Escutar é o mais perigoso', pensei, ' é saber, é ser inteirado e estar a par, os ouvidos não tem pálpebras que se possam fechar instintivamente ao que é dito, não se podem resguardar do que se pressente que se vai escutar, sempre é tarde demais. Agora já sabemos, e pode ser que isso manche nossos corações tão brancos, ou talvez sejam pálidos e temerosos, ou acovardados.'"
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Erika 04/03/2014

Nada trivial, mas indispensável
"Escutar é o mais perigoso, é saber, é ser inteirado e estar a par, os ouvidos não têm pálpebras que se possam fechar instintivamente ao que é dito, não se podem resguardar do que se pressente que se vai escutar, sempre é tarde demais." pág 69

Um livro nada trivial, prolixo, cheio de detalhes (aparentemente irrelevantes), de frases longas, parágrafos intermináveis, digressões muitas, mas também de uma sensibilidade da qual não se sai ileso.
Sob o risco de incorrer em imperdoável simplismo, o livro trata do poder que as palavras exercem em vidas tantas: das palavras ditas, escritas, sussurradas, ouvidas (e disso não se pode escapar), das não desejadas e também daquelas sobre as quais deveríamos nos calar.
Foi ímpar a cumplicidade em que Juan (o narrador) me inseriu, permitindo-me compartilhar de suas dúvidas, anseios, medos, arrependimentos e desejos demasiado humanos.

Não considero-o um livro fácil, tanto que deixei-o adormecer por mais de 1 ano antes de retomar-lhe a leitura. E como fluiu o que antes parecia-me tão árido! Só mais uma prova de que, a cada momento, somos sempre outro.

Apesar de ser um pouco difícil se acostumar ao estilo narrativo de Javier Marías, vale a pena insistir. Termina-se com vontade de procurar os outros títulos do autor.
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Etiene ~ @antologiapessoal 26/09/2020

Coração Tão Branco, Romance Espanhol, Javier Marías.

~ ?minhas mãos são de tua cor, mas me envergonha trazer um coração tão branco.?

Fico impressionada ao constatar, de fato, como cada livro me proporciona uma experiência tão absolutamente distinta uma da outra. Há os que me arrebatam por completo, me deixam reflexiva, me remodelam como pessoa. E há outros que me possibilitam um prazer imenso pelo ato - ação, realização, prática - da leitura em si, e este aqui é um desses. Eu li em pé, eu li no ônibus na volta do trabalho, eu li andando pela casa, eu li freneticamente. Eu me sentia capturada, à espera do clímax narrativo.

Apesar de sua natureza digressiva e monte de estórias paralelas, Coração Tão Branco traz consigo um sentimento de urgência em desvendar o mistério existente desde as primeiras páginas. Narrado por Juan, seu protagonista, o livro gira em torno de um suicídio e de seus desdobramentos, e o autor nos mantém em suspense até o final. A obra é uma aglutinação de trama irônica com uma prosa impecável e talentosas escolhas de vocabulário. Me sinto no dever de enaltecer esse livro!

Digo, sem grandes detalhes (deixo a surpresa para cada um ao lê-lo), que o livro é uma série de reflexões sobre os relacionamentos familiares e amorosos - as páginas dedicadas às empreitadas românticas de Berta são fabulosas! -, sobre os segredos que ordenam continuar encobertos e sobre as intrincadas equações ação/reação da nossa irrelevante existência. O arremate do livro está na afirmação de que ?tudo é contável?, que ?palavra puxa palavra?. Me pergunto: se tudo é contável, há valor no silêncio?

Javier Marías foi uma surpresa extraordinária e que rendeu a vocês uma fortíssima indicação! Genial!
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Luiz Pereira Júnior 30/05/2020

Leveza e profundidade
Como é bom ler um livro em algum lugar totalmente diferente daquele em que lemos. Os livros que lemos nas viagens parecem mais marcantes, fixam mais em nossas memórias, trazem-nos ainda mais recordações... Isso foi o que aconteceu comigo. Não sei se é um livro melhor do que os outros, mas a leitura feita em uma viagem, em um quarto e no terraço de um hotel de Macapá deu-me uma dimensão extra a uma obra que provavelmente teria passado despercebida se não fosse por essa mudança de ares...
E agora, vamos à obra. “Coração tão branco” lembra as obras de Proust e de Saramago, principalmente por seus longos parágrafos e pela tentativa de reconstruir um passado que parece perdido (e, a bem da verdade, na maior parte das vezes, está mesmo). Mas, apesar desses parágrafos longos, a leitura se faz de forma fluida, agradável, sem maiores percalços. Existem digressões, é claro, mas o autor não se deixa levar (obrigado, Senhor!) para o hermetismo fútil, para intrincadíssimos jogos de palavras que, no final das contas, não passam de um desafio ao leitor para não abandonar a obra e pegar outra que trate do mesmo assunto, com a mesma profundidade, mas sem tantos rococós e ornamentos.
Não darei spoiler, mas a resolução do mistério chega a surpreender o leitor (nesse aspecto, a resolução em si não chega a ser memorável a ponto de fazer o leitor ficar pensando dias, semanas ou meses em como o autor conseguiu montar a trama). O pai tem algo de abjeto, de insensível (pense nessa palavra em seu pior sentido), mas que acaba por encantar o leitor e tentar fazer justificar suas ações (ponto para o autor!).
Resumo da ópera: uma boa leitura, mas exigente em certos trechos. Mas talvez seja esse justamente o mérito da obra como aquele professor que exigia bem mais de nós pois sabia que poderíamos ir muito mais longe do que nossa simples inércia permitiria...
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Leila de Carvalho e Gonçalves 12/07/2018

O Poder Da Palavra
Publicada em 1992 e vencedor do IMPAC Dublin Award, "Coração Tão Branco" está entre as principais obras de Javier Marías, considerado um dos maiores escritores de língua castelhana em atividade.

Complexa e prolixa, sua escrita é marcada por parágrafos longos e inúmeras digressões. O escritor não nega a influência de Faulkner assim como a presença de alguns traços autobiográficos em seus livros, curiosamente marcados pela presença de inúmeras Luísas sem que nenhuma tenha sido inspirada numa mulher com esse nome.

"Coração Tão Branco" não foge à regra. Nele, Luísa é a mulher do protagonista. Juan trabalha como intérprete e tradutor e, recém-casado, está tentando se ajustar à nova rotina, abrindo mão de sua individualidade cuidadosamente construída ao longo de 35 anos de vida.

Um de seus maiores desafios é saber até onde deve falar e quando calar num relacionamento a dois. De acordo com o conselho de seu pai, uma das regras básicas da boa convivência consiste em jamais revelar qualquer segredo e ele tem motivos de sobra para pensar dessa maneira...

Ranz é um sessentão que apesar de seu talento para contar casos, pouco comenta sobre sua vida conjugal. Viúvo três vezes, seu primeiro casamento é quase secreto. Já, o segundo e o terceiro foram com duas irmãs: Teresa e depois Juana, mãe de Juan. Porém, ao contrário do que havia sido contado para ele, sua tia não teve morte natural e seu suicídio, logo após voltar da lua-de-mel, abre o romance.

A aproximação do protagonista com os segredos de sua família, independente de sua vontade, é a força motriz da narrativa. Afinal, "escutar é o mais perigoso, é saber, é ser inteirado e estar a par, os ouvidos não têm pálpebras que se possam fechar instintivamente ao que é dito, não se podem resguardar do que se pressente que se vai escutar, sempre é tarde demais." (pág 69)

Essa cumplicidade com o passado remete ao título do romance inspirado em Shakespeare, ou melhor, numa frase dita por Lady MacBeth após seu marido assassinar o rei Duncan. Para dividir o peso do crime, ela esfaqueia novamente a vítima e suja as mãos de sangue, afirmando sentir vergonha de permanecer com um "coração tão branco".

Essa expressão permite distintas interpretações dentro do texto de Márias e é responsável pela densidade psicológica. Afinal, tanto a inocência, pura e imaculada, como a covardia, pálida e temerosa, podem representar o branco. Indo mais além, ele nada mais é do que a junção de todas as cores que se desbotam, embranquecem como alguns acontecimentos tornam-se menos importantes com a passagem dos anos.

Com um desfecho impecável, "Coração Tão Branco" aborda o poder da palavra. Seja falada ou ouvida, traduzida ou intraduzível, ela é capaz de alterar a realidade, esconder sentimentos e lembranças, chegando até a determinar o destino de uma pessoa.
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Ju 05/11/2009

Surpreendente
A princípio foi difícil compreender e me habituar ao estilo do Javier, houve momentos, vários pór sinal, que cheguei a achar a escrita enfadonha e prolixa. Mas, persisti e não me arrependi. avançei na leitura e fui compreendendo que o que achava prolixo era na verdade uma riqueza de detalhes importante para a história.
A trama vai se tornando cada vez mais envolvente e é sufocante o desejo de desvendar o segredo do pai de Joan.
Ao final, refleti e conclui que em certas ocasiões é mesmo melhor "fechar as pálpebras dos ouvidos" e permanecer com meu coração tão branco... A língua fere.
DIRCE 30/11/2010minha estante
Oi Ju!
Terminei de ler esse livro e, no início, me senti como você.
Concordo com você: sem a riqueza de detalhes, talvez, o livro não fose tão "rico" como ele é.
Tenha uma feliz tarde.
Abraços.




Carla Verçoza 01/11/2022

O tradutor Juan divaga em Coração tão branco, acerca de seu casamento e sua família, que guarda alguns segredos. Reflete sobre seu casamento com Luiza, também tradutora, seu pai Ranz e seus casamentos, sua amiga Berta e outras personagens que aparecem durante a obra.
Um livro muito bem escrito, onde as palavras têm protagonismo e os segredos também. Narrativa em blocos longos, com poucos diálogo, um fluxo de pensamento bastante interessante de ler. Gostei muito.

"Do mesmo modo que uma doença muda tanto nosso estado a ponto de nos obrigar às vezes a parar com tudo e ficar de cama durante dias incalculáveis e só ver o mundo a partir de nosso travesseiro, meu casamento veio suspender meus hábitos, até mesmo minhas convicções e, o que é mais decisivo, também minha apreciação do mundo."

"Esta última frase ela lhe diz depois de ter saído decidida e voltado de untar os rostos dos serviçais com o sangue do morto ("Se sangra...") para acusá-los: "Minhas mãos são de tua cor", anuncia a Macbeth; "mas me envergonha trazer um coração tão branco", como se tentasse contagiá-lo com sua despreocupação em troca de ela se contagiar com o sangue derramado de Duncan, a não ser que "branco" queira dizer aqui "pálido e temeroso" ou "acovardado"."
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Hannah Monise 16/04/2024

Divagações sobre casamento
Coração tão branco, livro de Javier Marías, autor espanhol, conta as divagações de Juan, nosso protagonista, recém-casado, e que passou a lua-de-mel em Havana, Cuba, com sua esposa Luisa. A real é que ele descobre que Teresa, a irmã de sua mãe, que foi casada com seu pai antes dela, se matou com uma arma no coração, em um almoço em família, sendo esta a primeira cena do livro.

Durante o livro, Juan divaga sobre inúmeras coisas ao mesmo tempo que conta como conheceu Luisa, sobre sua profissão de tradutor e intérprete, sobre sua lua-de-mel, os dias que passou nos EUA com sua amiga Berta à trabalho. E também sobre os casamentos de seu pai e os segredos de família.

Fiquei supresa com o final! Confesso que não esperava isso... Pensava algo completamente diferente. De qualquer forma, é um livro mediano, que curti mas não tanto, e me prendeu ainda assim - exceto nas partes em que enrolava e viajava muito -. O autor enrola muitas vezes, apesar de ter frases muito bonitas e bem escritas. Eu achei bem curiosa a forma como ele escreve e o enredo que quis trazer. É um livro bem puxado para o clássico sim, não é todo mundo que leria e se envolveria. Mas por curiosidade foi uma leitura ok.

"Às vezes tenho a sensação de que nada do que acontece acontece, porque nada acontece sem interrupção, nada perdura nem persevera nem se recorda incessantemente, e até a mais monótona e rotineira das existências vai se anulando e negando a si mesma em sua aparente repetição até que nada seja nada e ninguém seja ninguém que tenham sido antes, e a frágil roda do mundo é empurrada por desmemoriados que ouvem e veem e sabem o que não se diz nem sucede nem é cognoscível nem comprovável." (Página 26 - 9%)
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Nanda 23/04/2020

Sempre há alguem que não sabe algo ou não quer saber
E assim nos eternizamos. Juan derrama todos os pensamentos da sua história. E da história de outras pessoas também. Nunca pensei tanto sobre alguem que pensa tanto. A importancia do dito e do não dito e o relato de diversas vezes em que os segundos escaparam entre os dedos dos personagens. E nunca mais voltarão. Segundos não voltam, palavras não voltam. Tudo é passado, até o que está acontecendo agora.
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