@tayrequiao 03/06/2024Engraçado?Gógol é considerado, ao lado de Púchkin, um dos fundadores da literatura russa. É tido como aquele que introduziu o realismo nesse segmento literário, ainda que com frequência tenha incorporado elementos fantásticos aos seus textos.
?O nariz? é uma dessas narrativas em que dá para notar, claramente, a união entre o real e o fantástico.
É também um exemplar inequívoco do humor característico da escrita do autor, utilizado tantas vezes para promover uma sátira (e crítica) à sociedade de São Petersburgo do séc. XIX.
E é justamente no ?humor? que ele não me prende. O absurdo, o grotesco, as cenas que deveriam ser engraçadas não me provocam nem mesmo um risinho bobo.
Apesar disso, o texto não esconde onde realmente está a pérola da sua escrita: na exploração do conceito do duplo e da natureza ilusória das estruturas sociais.
Ao criar um nariz que assume vida autônoma, Gógol materializa a própria fragmentação da identidade. O duplo de Kovaliov é mais do que uma cópia ou - literalmente - um pedaço de si, mas uma representação daquilo que ele próprio deseja ser.
Assumindo uma posição de alta patente, o nariz de Kovaliov conquista facilmente aquilo que o seu ?dono? tanto se esforçava em conquistar: status social.
Do mesmo modo, ao funcionar como um ser independente e de alto escalão militar, o nariz de Kovaliov nos deixa claro o quanto a sociedade está desconectada com a realidade ao conferir importância e respeito tendo como parâmetro apenas as aparências.
Até um nariz é capaz de ganhar respaldo na sociedade de São Petersburgo, desde que agraciado com um título.
Até um tolo é capaz de ganhar muito dinheiro na sociedade contemporânea, desde que tenha muitos seguidores.
Momentos distintos na história.
Mesmos valores distorcidos.