r.morel 02/12/2017
Breve Análise Literária
“Pois desde a infância inclino-me a estar só, sem ter família ou festa familiar, porém, conexões ilimitadas com o cosmo, estou destinado a sentir não o que está perto, senão a amplidão longínqua, é o que confere toda a potência e a autenticidade ao meu sentimento.”
1.As cartas do autor tcheco Rainer Maria Rilke não são esporádicas lembranças, uma cartinha aqui, outro bilhetinho acolá para sua mãe. São 25 anos de cartas natalinas. Uma dedicação impressionante, pensaríamos, e é verdade, em Natal nenhum R. M. Rilke faltou em forma epistolar, escritor resiliente ele, no entanto, a contradição também reside nessa “dedicação impressionante”: são 25 anos de cartas natalinas e 25 anos afastados sem festejar um Natal juntos, mãe e filho cada um na sua cidade ou no seu país (no seu mundo particular). Quem espera profusão de sentimentos em “Cartas natalinas à mãe” encontrará a segunda contradição (ou a primeira desenvolvida…) da obra de Rilke: os acostumados com um pouco mais de calor humano e afeto acharão os escritos frios, um tanto quanto impassíveis e imparciais, apesar da comunicação ocorrer entre filho e mãe, diálogo do qual acompanhamos apenas a voz do filho — através do fragmentado monólogo de Rilke percebe-se a distância não somente física, mas, emocional, espiritual, ambos em sintonias diversas, realmente ele cá e ela por lá. Qual evento é o momento de cisão entre mãe e filho nas cartas natalinas não se revela; talvez — se é que já não publicaram — em uma biografia definitiva apura-se melhor os fatos. Porém, o afastamento materno de R. M. Rilke não é o único perceptível nas cartas; ao longo das páginas aparta-se também da esposa Clara e da filha concentrado está em seu trabalho (livros e palestras) como um recluso monge.
“Bem de perto desta vez, inclusive do solo austríaco, chegam-lhe meus votos natalinos, embora não seja muito provável que eu vá pensar tanto em você no dia 24 dessas paragens, contudo, às seis horas certamente estarei em alegre sintonia com você, conforme o velho acordo, pronto a receber o Menino Jesus no peito ardente.”
2.Dizem que ao falar algo as palavras não voltam e por isso devemos cuidar para ninguém ofender sem querer. Palavras escritas perpetuam-se de maneira igual. A citação acima é um dos exemplos da frieza natalina de Rilke (“…embora não seja muito provável que eu vá pensar tanto em você…”); o assopro após o tapa com luva de pelica é recorrente no livro, trechos bonitos (ora, ele é um poeta) depois de cortes secos, e neste feitio as missivas são o mitigador pelo desencontro parental anual. Inspirado, ou em busca da musa, R. M. Rilke capricha nas visões que transmite nas cartas, nas imagens que pinta para sua mãe entender a mensagem que deseja passar. Cada palavra em seu devido lugar, impecável exercício literário, porém (seria um pecado analítico essa opinião singela?!), soa cansativo e repetitivo os adjetivos elegantes bem postados não expressando o inefável que eles pretendem relatar. Laudas cuidadosas e ocas. Inúmeras cartas lembram um sermão católico natalino, um discurso de padre, de alguém que se define religioso até a raiz da profunda alma e fala muito em Jesus Cristo, em Amor, discorre sobre todos os tópicos hoje tornados clichês (na época de Rilke de repente já eram…), no entanto, em décadas não visita a mãe no tal louvado Natal e praticamente esqueceu mulher e filha. Uma prova incontestável o livro “Cartas natalinas à mãe” de que ações valem mais do que palavras?! Resposta definitiva não tenho (nunca tenho… só existem perguntas…) Artesãos dedicados moldam palavras e também ações a seu bel-prazer (atores natos); confundem a compreensão e ficamos na mesma, desconhecemos as intenções e a veracidade do que recebemos. Sobra acreditar.
“E mesmo quando nos deleita o sol interior, astro demasiado poderoso, não somos capazes de acolher sua graça, em parte por nossa susceptibilidade, em parte porque a intensidade de sua luz ameaça nos ofuscar com o ardor. Por essa razão nos atemos cautelosos à sua presença natalina: porque, aqui, em sua incipiente alvorada, o sol abundante e magnífico possui ainda a suavidade suportável quando nos voltamos a ele, quando ficamos em sua presença no instante de contemplação. Suas outras manifestações são em forma de fé, como um lume para nós, mas cá dentro, onde ele se assemelha à frágil criança no aconchego de sua origem humilde, aqui, a fim de reconhecer seu caráter divino e nos satisfazer com sua generosa abundância, basta o amor simples e receptivo, quase pura comoção.”
3.Não só de curvas são feitas as cartas de Rilke para sua mãe. O sentimento natalino não se forma de completo fingimento. Se Rilke de pronto avisa que provável não pensará na mãe, ora, ele também confirma o compromisso de se unirem em pensamentos em determinada hora. É o fecho do ritual natalino da mãe e do filho. O desencontro, as cartas, e a oração. É um instante. Minutos. Suficientes certeza que jamais seriam (para a mãe pelo menos). Contudo, esse é o Natal para Rilke e vive melhor quem se adapta. Sua mãe, se não compreendeu, moldou-se às circunstâncias apresentadas. Vinte e cinco anos e vinte e cinco cartas. O contato deles esse contatozim. Críticas são superficiais, pessoais (não analíticas) e desnecessárias. Com o mínimo se vive, e assim foi. Arrisco ser essa a única beleza natalina de fato na história que as cartas contam.
“Nós nos ajoelhamos simultaneamente, em sintonia de pensamentos, imersos, cada um a seu lado, na luz da misericórdia da noite de Cristo: e assim nos ajoelhamos juntos.”
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