Paulo 22/11/2019
Em Arvorada, o quadrinista Orlandeli conta uma história tocante de, como nos diz a epígrafe da saga, “(...) um menino (Chico Bento), uma anciã (Vó Dita) e um Ipê Amarelo”, e nos dá uma lição sobre o quanto perdemos deixando as coisas pra depois, por deixar de dar valor e apreciar cada um dos breves momentos que temos, pois não demora muito e eles serão apenas memórias.
Narrativamente falando, logo de cara, o tom do roteiro e arte de Orlandeli difere bastante daquele utilizado por Gustavo Duarte em Pavor Espaciar (2013). Naquela ocasião, o humor e as inúmeras referências à cultura pop, em um cenário de ficção científica, eram os motes da trama. Já em Arvorada, temos um drama familiar, que é a doença da Vó Dita, que desemboca em um momento de amadurecimento para o Chico, e várias lições sutis para os leitores, através das conversas entre avó e neto (uma em especial me tocou bastante, que é sobre você deixar a jornada mais doce, quando não há nada a fazer para deixá-la mais fácil). Assim, não espere uma trama intrincada, ou uma aventura de tirar o fôlego. Arvorada é uma HQ curtinha, que se vale do lirismo e de metáforas para contar uma história simples, sem grandes reviravoltas, mas cheia de significados, sobre os últimos dias de um menino e sua avó. Mas ainda que simples, Arvorada é mais complexa do que é possível perceber em uma primeira leitura, e só peguei algumas das metáforas disfarçadas em cenas aparentemente despretensiosas numa segunda leitura.
Quanto a arte, o traço de Orlandeli é exagerado, com personagens e cenários totalmente estilizados. Porém, fazendo minhas as palavras de Luiz Santiago, do Plano Crítico, o quadrinista encanta através desse “tipo belo de feiura”, com personagens muito expressivos, uma linda paleta de cores, que dá o tom em diferentes momentos da história desenhando cenas que passam muito sentimento. Soma-se a isso o casamento entre o traço de Orlandeli e a maneira que ele constrói enquadramentos, com personagens cujas partes do corpo servem como elemento narrativo: muitas vezes, por exemplo, os desenhos atravessam de um quadro a outro.
Enfim, em Arvorada, Orlandeli nos convida, através de uma trama simples mas versossímil, a pensar sobre os “nãos” que dizemos para algumas pessoas em algumas ocasiões, sem sabermos que a oportunidade de um novo encontro ou de viver a mesma coisa ao lado da pessoa pode não voltar a acontecer.
PS: Orlandeli faz uma bela homenagem a história do Chico Bento, homenageando e fazendo referências ao universo do personagem, como a aparição da Rosinha, Zé Lelé, a menção ao Nho Lau, os pais de Chico e o porquinho Torresmo, dentre outros, mesmo que alguns tenham tido participações discretas ma trama. Mas o mais marcante é a referência a uma à irmã de Chico Bento, Marianinha, que morre ainda bebê (em todos esses anos, a personagem apareceu em apenas duas historinhas, uma em 1990 e outra em 2005), lembrança que deixa o caipira abalado ao ter que lidar com as lembranças da Estrelinha Chamada Mariana (1990) ao mesmo tempo em que lida com a situação atual da avó.