Vitor.Romito 25/06/2023
Bom, mas prolixo demais
Os primeiros trabalhos do King cimentaram o caminho ao qual ele resolveu percorrer: terror com uma ambientação e suspense crescente gradual, com foco do desenvolvimento nos personagens (arquétipos que sempre usa e, no presente caso, do professor), de forma lenta e gradual. Um terror muito mais psicológico que físico. E mesmo em livros cujo físico é bem explícito, a carga psicológica sobre as personagens se sobressai. Exemplos como “It”, que tem um primeiro capítulo de terror bem físico, mas se apoia nas personagens, nos seus traumas, medos e sentimentos; “O Cemitério” que tem uma trama grotesca, mas um pesado clima de loucura.
Em “A Zona Morta” há uma carga psicológica bem grande sobre as personagens, em um desenvolvimento lento e gradual, conforme a marca King. Aqui, o autor deixou um pouco o terror físico de lado e apoiou-se em um suspense sobrenatural/paranormal. Contudo, essa prolixidade é o maior problema que vi neste livro. Criou uma barriga que, embora seja interessante se olhada isoladamente, me cansou. E pensei em como uma estória descrita nestas partes daria uma boa trama.
A trama de “A Zona Morta” gira em torno de John Smith, um professor carismático do colégio de uma pequena cidade. Em um dado momento da vida, quando conquistava uma professora do mesmo colégio, Johnny sofreu um acidente de automóvel que o deixou em coma por quase 05 anos. Ao regressar de sua condição, ficou com algumas sequelas cerebrais, mas outras regiões deste órgão desenvolveram-se acima do normal, dando-lhe dons premonitórios, telepáticos, clarividentes e tudo que esteja envolvido. Assim, Johnny passa a conviver com este dom/maldição (hahaha, lembrei do Monk), seja para o bem ou mal, e o que fazer diante disso.
O protagonista é muito bem desenvolvido. King enche o cara de carisma desde a primeira cena, colocando-nos ao lado dele. A descrição é tão bem feita que me peguei sentindo aquilo que Johnny sentia: alegria, dor, tristeza, frustação. Um mix de sentimentos em montanha russa. Esse desenvolvimento é de longe o ponto alto do livro.
As personagens secundárias são bem trabalhadas e fazem a trama girar. Cada um tem uma luz que ilumina uma característica da personalidade de Smith: seja o bom companheiro, amigo e filho com o núcleo familiar e Sarah; seja como o altruísta e mestre no núcleo dos Chatsworth. No caso do primeiro, é palpável a dor dos envolvidos. Todo o peso desta situação faz com que mudem, principalmente a mãe Vera, que beira a loucura do fundamentalismo (e aqui gostei do King não ter girado as coisas muito em cima dela, pois aparentaria uma cópia da Sra. White). Já no segundo, há um clima de felicidade muito claro (imaginei as cenas com um filtro bem amarelado) para depois levar a uma queda bem grande no clima (e aqui, um cinzento para negro bem forte), que é ligado a uma breve passagem do início do livro (algo que ocorre em outras partes também). Há outras interações, é claro, mas são passagens mais breves que não vale a pena colocar aqui.
Agora, o problema do livro está em como o antagonismo ao Johnny se apresentou. Foi picado, pouco desenvolvido. Estava ali só para demonstrar o sobrenatural e como ele deve ser resolvido.
O antagonista principal, Greg Stillson, é o oposto de Smith, apesar de ter um carisma monstro perante algumas personagens do livro. Há muito tempo em uma leitura do King não sentia um misto de repulsa e ódio por alguém como senti na apresentação desta personagem. O cara é um louco sóbrio. Sabe o quer e faz todo possível e inenarrável para alcançá-lo. Só que ele não tem o devido tempo que eu gostaria que tivesse. Exemplo: a descrição do seu passado. Um tanto preguiçoso. Preferiria uma outra dinâmica, como a narração das cenas e não a descrição dos fatos.
E no meio disso, há um caso policial envolvendo um assassino em série. Isso remete ao que escrevi no segundo parágrafo, da trama paralela. É legal, mas cria uma barriga enorme, pois não desenvolve este antagonista – só umas pinceladas sobre ele - e muito menos as vítimas. Elas são como “Sacos de Ossos”. Não tive uma sensação de importância para elas no decorrer do livro. E sem essa importância, não teve o impacto que esperava. Estas páginas poderiam ser usadas para desenvolver o arco de Stillson (já que este arco está na sinopse da contracapa).
Finalmente, no meio desta barriga todo, ainda há as desavenças com uma imprensa sensacionalista que de novo é interessante, mas desnecessária. Muito preto e branco; bem e mal. Aliás, o livro todo é essa dicotomia bem definida, o que faz desta parte uma prolixidade inconveniente. Ao menos, King introduz uma personagem que será usada em um de seus contos.
O final foi satisfatório, porém previsível. O que não significa ser ruim. Dos rumos que os desfechos das personagens poderiam tomar, o escolhido foi plausível. O problema é mais com a escrita do King, que leva a este encerramento. Ademais, não gostei da parte final, com uma explicação que já estava no texto anteriormente e o esquecimento dos Chatsworth.
E antes de finalizar, tenho que escrever uma coisa que foi aumentando com a leitura. Achei a trama, alguns personagens e todo seu desenvolvimento muito parecido com “Novembro de 63”. Isso não afeta “A Zona Morta” e sim “Novembro”. Não vai afetar o que senti quando terminei a leitura da ficção histórica, mas se o tivesse lido depois do livro desta resenha, creio que a nota de “Novembro” cairia um pouco.
Tendo colocado tudo isso, é um bom livro e uma boa entrada no universo do autor, de sua forma de escrita. Dos que eu li, figura numa prateleira abaixo de “Salen’s”, “Misery” ou “O Cemitério”, ficando junto de “Carrie” e “O Apanhador de Sonhos”. Tem uma boa trama de suspense sobrenatural, bons personagens e um clímax grande com final satisfatório. Entretanto, é longo demais para o que propõe. Se retirasse umas cem páginas e desenvolvesse mais algumas partes, a leitura seria melhor.