DIRCE 21/10/2020
Mito, talento, magia , loucura e encantamento
Não tenho dúvidas que eu teria abandonado este livro se tivesse tentado lê-lo anos atrás, mas, felizmente, fiz a leitura no momento adequado e fui regiamente recompensada. A começar pelo ritmo de escrita: alucinante.
Quanto ao enredo...,Bem, quanto ao enredo, não vou me deter a ele.Vou me concentrar nas personagens e mencionar o que me vem à cabeça. No meu histórico de leitura, logo no início, eu disse que o livro se parecia com uma Caixa de Pandora. Concluída a leitura, reafirmo com ênfase essa minha comparação. Kafka à beira mar é realmente uma espécie de Caixa de Pandora. Uma Caixa de Pandora bem peculiar , pois dela , além de coisas malignas como o episódio macabro e cruel narrado no capítulo dos gatos, como o incesto (ou não), como crime e outros males que ora me fogem da memória, saem maravilhas como Nakata - meu personagem favorito e um dos protagonista mor - um idoso que , um dia, foi um menino prodígio, entretanto, infelizmente, sofreu os efeitos nocivos da guerra e tornou-se em um ser humano com intelecto, digamos...comprometido e , talvez, devido a sua inocência foi dotado de poderes especiais e seus feitos eram , no mínimo, surreais. Outro protagonista-mor ( pode haver dois protagonistas -mores (???) é o adolescente Kafka que deixa a casa paterna com o pretexto de fugir da cruel maldição edipiana proferida pelo seu pai, mas que , no meu entendimento, foi em busca da sua identidade, em busca de uma explicação para o seu "desconforto" e para os seus pensamentos eróticos, em busca do " colo materno", e, paradoxalmente, do seu crescimento. Mas como não é só com protagonistas mores que se faz um romance ( pelo menos não neste), eis que aparece a Sra Saeki, cujo sobrenome deveria ser SOLIDÃO e MELANCOLIA. Uma outra personagem que saiu da Caixa de Pandora (adorável, diga-se de passagem) foi Oshima que se definia como um androide, oi ?? Só se os androides forem providos do dom de acolher, abrigar, ajudar, enfim, Oshima seria um grande bem na vida de qualquer um.
E como, apesar dos pesares, nem tudo está perdido, como ainda temos motivos para acreditar no ser humano, surge também Hoshino, um motorista um tanto quanto ogro, que transfere a Nakata o afeto que nutria pelo avô, e torna-se seu guia e protetor .
Surgem ainda outras personagens tanto de seres vivos como de seres inanimados . De seres vivos surge Sakura, a jovem acolhedora e povoadora dos sonhos pecaminosos do jovem Kafka ;surge o menino chamado Corvo, que eu não conseguia visualizar como um menino, mas, sim, como uma ave ( Freud explica - já que dizem que ele explica tudo) ocorre, que li, algures, que na mitologia oriental há um corvo de 3 pernas que é considerado mensageiro dos céus , o que faz muito sentido essa presença na trama; surge a floresta, a qual Kafka enfrentou adentrando em seus labirintos, inicialmente, temeroso, logo a seguir desafiador.
Dos seres inanimados surge a cabana ,local do isolamento , surge a biblioteca símbolo do conhecimento cultural, entretanto, no caso de Kafka, eu a vi como uma analogia ao auto conhecimento, surgem um quadro e uma música que justificam o título do livro e surge uma pedra : PO-DE-RO-SA.
E voltando ao tal Caixa de Pandora ( que eu, atrevidamente, resolvi evocar para este meu louco comentário sobre um livro "muito louco") , preciso dizer que na mitologia , Pandora ao abrir a caixa ( na verdade, era um jarro) deixou escapar todos o males do mundo , mas felizmente ela também deixou escapar um único dom - ELA - A ESPERANÇA. E assim sendo, eu terminei esse MA-RA-VI-LHO-SO livro ESPERANÇOSA. Sim, porque as pessoas que se relacionam nesse romance não permanecem as mesmas, ela evoluem, se tornaram pessoas melhores - Kafka que o diga.
Kafka a beira mar é um livro que embora não tenha explicação para tudo, embora não seja um livro "redondinho" e sua leitura não seja a das mais fáceis, um livro onde o fantástico ou o surreal dele façam parte é um livro que tem o poder de um imã e tem uma leitura fluida.
Posso afirmar que Murakami não se valeu da Caixa de Pandora para escrever esse livro, ele se valeu, sim ,do seu talento, do seu conhecimento da sua visão do mundo para escrever esse livro, mas não descarto o tal pó do perlimpimpim porque eu fiquei enfeitiçada.