André Foltran 16/03/2019Tradução, revisão e anãoSe matar e não ler os próximos livros do César Aira? Há pelo menos um bom motivo para sobreviver... Ainda que mediano e porcamente traduzido por Joca Wolff, que eu nem conheço e já quero distância, um César Aira é um César Aira e está repleto de pensamentos, divagações e conjeturas que só um César Aira é capaz de proporcionar. Uma pena que o Sr. Tradutor, por medo do espanhol ou desconhecimento do português (ou por uma proposta de tradução estrangeirizante que claramente falhou, pois sequer tem a fluidez do primeiro original), traduziu praticamente em outra língua. Mas fiquemos com uma das conjeturas "airanas" de que eu falava (eu sei, soa mal, mas "cesairanas" ficaria pior), cujo trecho traduzido não tem maiores problemas do que o decalcado segundo uso do "alguém", claro vício do espanhol, e que também passou despercebido (como o livro inteiro) pelos dois excelentíssimos revisores, que só não cito aqui os nomes porque fazem parte de uma classe já muito massacrada:
"Os fantasmas, disse, são como os anões. Se alguém se limita a pensar neles pode chegar à conclusão de que não existem, e segundo o gênero de vida que alguém leve pode passar meses ou anos sem ver nenhum; mas chega um momento em que, sem buscar nem desejar, os vê. Isso entra nas condições gerais da vida, dos acasos e coincidências gerais de que é feita a existência; por exemplo, pode se dar o caso de que em um mesmo dia alguém veja dois anões, ou duas dezenas de anões, e durante o resto do ano não veja nenhum. Agora, da perspectiva oposta, daquela do anão, é muito diferente: porque ele, o anão, é o que sempre aparece, com o seu metro e dez de altura, a sua cabeçota, as suas perninhas em arco; ele é a ocasião, para qualquer um que o cruze na rua, de poder dizer nessa noite: 'Hoje vi um anão.' Para ele é o constante, o contínuo, o que não admite um comentário especial. É a aparição perene, a ocasião feita vida e destino." (p. 145)