Cristian 29/06/2015
Não sabem o que falam os que falam mal
Livro muito bom, para começo de conversa. Fico impressionado com as resenhas que li aqui no skoob que desvalorizam a obra com opiniões que olham somente aspectos superficiais. Há quem diga que o livro é datado (livro de 1977), que a maior parte das orientações são inúteis porque é para um mundo onde não havia internet. Tudo bem, mas se você vai fazer uma pesquisa de verdade, sobre um tema que te interessa, pouco importa se tu tens internet ou não - os conselhos de Eco funcionam igual. Sim, porque se você acredita que só fazer uma busca pelo computador pelo tema que queres e anotar os livros para pegar naquela biblioteca, então você nunca deve ter andado em meio as prateleiras de livros de uma biblioteca procurando por livros. Ao procurar um livro, na estante (física, não na virtual) você descobre livros com assunto conexo que você nunca teria achado pelo sistema de buscas da biblioteca simplesmente porque o computador não pode adivinhar essas outras conexões. Ah, tem bibliotecas com sistema muitos bons, como o da PUC, mas ainda assim os livros que o sistema te indica como correlato deixa escapar outros (sei por experiência). Quem sabe quando os computadores tiverem inteligência artificial supere esse "detalhe"?
Quanto ao epíteto de "desatualizado" por causa dos conselhos de uso de fichas de papel - para aqueles que acreditam que o computador resolve todos os problemas. Há uma fantasia de que hoje em dia basta você ter uma biblioteca em PDF, ePUB etc de alguns gigas no notebook, possuir programas como o Endnote ou similar para fazer citações em trabalho que está tudo resolvido. Sinto muito, o conhecimento não entra na mente por dispersão (ou osmose no caso de alguns). Isso, Umberto Eco deixa muito claro e qualquer um que fez o esforço de escrever (com material autoral) uma tese ou dissertação de mestrado sabe bem disso. Sério, tente fazer um resumo bem bom de cada livro que você precisa para sua tese e deixe isso tudo em editores de texto no notebook (como word, pdf, xps, etc). Aí comece a escrever a tese... Já vai descobrir o inferno que é ficar dando alt+tab pra saltar de um resumo a outro e tentar costurar tudo que você estudou. Não dá pra ter tudo no computador, essa é a conclusão. O sistema de fichas facilita muito a vida do pesquisador. Você até pode ter uma contraparte digital, isso não é o problema (não é por tecnofobia a crítica), mas o volume de autores que você deve manusear para uma tese nas áreas humanas é imenso (sim, as orientações não se aplicam às áreas de "Hard Science"). Agora, imagine-se você, em sua mesa de trabalho com as fichas dispostas lado-a-lado organizadas de modo que você as visualize claramente e se localize nos resumos. Com seu notenook no meio disso, a tese começa a aparecer aproveitando tudo que você estudou durante uns três anos de pesquisa!
(Em um artigo de Umberto Eco, o Pós Escrito ao Nome da Rosa, ele descreve que dispunha as fichas pelo quarto inteiro dele, imagine o autor com fichas sobre indumentária medieval sobre toda a cama, com fichas sobre costumes do século XIII sobre toda a mesa, fichas sobre mosteiros em atividade naquele século em um metro quadrado do chão e outras ao redor dele... E ele no meio com sua máquina de escrever - podia ser um notebook... O volume de pesquisa que ele fez para fazer O Nome da Rosa é tal qual uma tese. Quem não leu o livro que veja o filme e verá o resultado de um bom trabalho de pesquisa.)
Outra coisa que não se sabia na época que Eco escreveu o livro, era certos fatos sobre neurociência da educação e de psicopedagogia. Nos últimos dez anos se consolidou farta bibliografia de pesquisas mostrando que o uso exclusivo do computador para estudo reduz na maioria dos casos o desempenho (sempre há os gêniozinhos que fogem da regra - o livro não é para eles). Não só por causa das óbvias distrações de facebook, google, youtube e cia, mas porque emprega menos regiões do cérebro na hora da aquisição do conhecimento. O velho copy+paste é também responsável por isso: "preciso desse parágrafo, copio e colo no word da tese e pronto". Essas práticas atuais que tornam o livro "datado" são perniciosas na verdade. Quando você se obriga a fazer uma anotação ao passo que lê, depois resume escrevendo com suas palavras em papel, você emprega várias regiões do cérebro para fazer isso. As habilidades cognitivas envolvidas para fazer você organizar na mente o que leu e depois escrever no papel são muito maiores. Mas quem se importa com isso, né? Bom, e se eu te disser que quanto mais conexões o cérebro faz ao aprender, mais apto a lembrar desse conhecimento você estará no futuro? Se você se importa com isso, então não deveria negligenciar os conselhos como "estudar bem é escrever com caneta e papel", mesmo na era digital*.
Ah! Não se engane com as ironias do autor. Há quem acredite que o autor seriamente aconselha que se você não tiver tempo que pague pra alguém fazer a tese ou copie uma pronta de outra universidade... Sério mesmo? O autor, já cancheiro de ver seus alunos pernósticos fazerem e abusarem desses expedientes faz uma ironia de que você pode fazer isso também. Mas é só ironia, galera!
Enfim, se você leu essa resenha e disse para si mesmo "mas eu consigo fazer tudo só no computador, bobagem desse cara" então ok, parabéns! Você deve ser genial, uma raridade que faz isso e faz uma boa tese (duas coisas bem difíceis de andarem juntar: fazer tudo no computador E ficar muito bom). A mediocridade é a regra, mesmo na pós graduação e o ser humano é o bicho que mais se auto-engana acerca de suas capacidades (já nos diz a psicologia há décadas!): sempre nos achamos muito bons no que fazemos, mas a real... Bom, se você, como eu, é um mero mortal e quer consolidar conhecimento do que estuda, então adotar no mínimo alguns conselhos do Umberto Eco serão de imensa ajuda. Não à toa que essa obra é um clássico.
* Haverá o dia que a tecnologia será tão barata que teremos algo que substitua integralmente o papel? Claro, por que não? E tecnologia para dispor de folhas digitais avulsas em que se escreve com caneta ótica? Por que não? Quero estar vivo quando isso for corrente. ;-)