Luccubus 13/01/2024
Não é a romã, mas as núpcias de morte de Eros e Psiquê
Embora existam formas de deixar a narrativa mais interessante, sair um pouco dessa visão heteronormativa dos pares imortais e da noção perfeita de moralidade que recai sobre a figura de Carlisle, como se o homem dentro dele, e o monstro igualmente, não fosse capaz de errar (algo que ele claramente fez ao transformar todos de sua família em vampiros, primeiro para sanar a dor de sua solidão e depois para bancar o herói salvador de suas vidas), e poder aprofundar mais na personalidade complexa, a la Louis da entrevista com o vampiro de Anne Rice, que preferiria a morte e uma semi vida ou a rejeição da sua própria biologia a se tornar um monstro e perder sua humanidade, o enredo é muito empolgante. Edward tem a sua mesquinhez, ciúmes, altivez com relação a quase tudo de humano e ainda assim nos toca. Não só por conta de Bella, mas por ele mesmo, por suas decisões e sua noção muito certa de que não deve prender Bella pra sempre em seu sonho de casalzinho perfeito. Edward irrompe contra a noção de que tudo pode ser perfeito. Não necessariamente são as ameaças externas, mas uma avaliação interna de que ele mesmo é a ameaça, o monstro, que pode matá-la, consumi-la e não deixar que reste nada.
Mesmo sendo excessivamente pedante o seu monólogo repetitivo e incessante sobre como "nossa eu sou assustador, eu vou acabar com você, Bella, eu preciso ficar longe, mas oh, não, não posso ficar longe nem por um segundo" a narrativa tenta de alguma forma parecer fazer dele e de sua existência um milagre, por ter salvado Bella tantas vezes, mas nao ha como ao final do livro discordar dele. Ele vai matá-la, e ele não quer. Ele não deve, não dessa forma destrutiva, não tirando o seu contato com o mundo e conduzindo-a a seu submundo crepuscular. Edward pensa que ele é Hades no movimento de raptar Perséfone, e mal sabe ele que entre os mistérios de Eleusis (que envolvem as narrativas das heroínas da mitologia grega) ele é na verdade Eros. Ele é o desejo, a paixão, a força de vontade de continuar, de se tornar mais egoísta (algo que Bella precisa desesperadamente), e Bella é seu sopro de vida, a borboleta que se transforma, psiquê. Ele, antes, altivo, arrogante, tendo a presciência dos pensamentos de todos, inclusive tendo acesso ao futuro pela mente de Alice, não via motivos na pós-vida, nessa imortalidade superficial, chata. Ele começa a se entender e transformar, começa a pensar e deduzir por si mesmo e em sua própria consciência (apartado já da sociedade e agora finalmente cortando os laços tribais entre sua família e ele) porque ele não pode adivinhar o que Bella sente ou pensa, não pode acessar tudo dentro dela e precisa por isso se projetar, projetar seu desejo e chegar ao espelho que ela se torna, ele toma decisões segundo si mesmo, longe do que todos ao redor dele prefeririam.
Mesmo que ele possa ser um chato de galocha, ciumento, possessivo, ameaçador e diversos traços de abusividade, ainda foi reconfortante entender finalmente o quanto os dois se dão bem. Não por uma atração física, instintiva, a vontade de engolir e ser engolido, mas por uma sintonia em relação à moralidade. Ele encontra refúgio nas ações boas de Bella e começa por ela a ser menos egocêntrico, embora já fosse muito focado em ser bom.
Eu fico impressionada com a forma que a Stephenie Meyer conseguiu conduzir isso num livro gigante, mas que passa tão rápido. Mesmo que tenha a sua repetição e monotonia no meio, a força simbólica da imolação de um pelo outro nesse amor é muito potente. Não há falta de vocabulário, e mesmo assim é fácil de ler, e o acesso de Edward aos pensamentos alheios torna tudo ainda mais interessante.
O que falta é Bella, depois de tudo isso, cumprir as tarefas de Psiquê para ser elevada finalmente à imortalidade.