livrosepixels 17/04/2023Cria-se o legadoPara um leitor, algo bastante desagradável é levar um banho de água fria em uma continuação após ler o primeiro livro, seja de uma trilogia ou série, e ter ficado estupefato com as tramas e personagens que foram apresentados. Pois de fato Messias de Duna vem com essa missão de dar uma “desanimada” na série que de início foi brilhantemente bem desenvolvida. Não que o livro não seja bom, de fato ele é, mas nem de longe se compara à emoção trazida pela primeira obra.
Um dos pontos altos da narrativa de Duna é o seu desdobramento político e filosófico. Em mais de 600 páginas, o autor nos introduz à ensinamentos e profundas reflexões quanto ao meio ambiente, ao preconceito, relações sociais, entre outros. Pra mim, me parece difícil qualquer um ler Duna sem se pensar sobre o futuro do planeta Terra e da nossa sociedade atual, pois às alusões à nossa realidade são muito “escancaradas” naquele livro.
Nessa mesma linha tenta seguir Messias de Duna, porém, já nota-se que o autor perdeu um pouco o fio da meada. As reflexões estão ali, as críticas estão ali também, mas o que faltou foi enredo que sustentasse de forma satisfatória todos esses argumentos. Logo, observa-se que o livro fica dando voltas e mais voltas sem sair do lugar, e quando sai, são só para concluir a trama e encerrar o livro.
O personagem principal continua sendo Paul Atreides, o atual imperador e que agora mais do que nunca se tornou um homem recluso, frio e calculista. Os ensinamentos que obtivera junto de sua mãe, Jéssica, uma poderosa sacerdotisa das Bene Gesserit, influenciaram muito sua personalidade e decisões. Paul não pensa e nem age mais como um adolescente, antes cheio de dúvidas sobre o que ele seria e qual caminho deveria seguir. Pelo contrário, agora Paul é destemido e não se importa com as consequências que suas ações trazem. Seu único objetivo é conquistar o Imperium de uma vez por todas, e se necessário for, subjugar quem quer que o atrapalhe nessa empreitada.
Porém mesmo tendo onisciência e visões do futuro concedidos graças ao uso demasiado da especiaria, há um caminho que ele não consegue compreender. Um futuro no qual ele padecerá, e que possivelmente arruinará todo o seu governo. Todas os caminhos alternativos acabam levando sempre ao mesmo ponto, mas não fica claro para ele como evitar. Paul se questiona no seu íntimo se não teria sido em vão todo a sua cruzada religiosa e política, se não teria sido em vão a morte de milhares de companheiros que o ajudaram a ascender ao trono.
Algumas decisões Paul precisa tomar quanto a isso, pois agora sendo pai de família, precisa julgar o que é mais importante: o Imperium e todo o seu status como Messias, ou a esposa e seus filhos. O que ele deve escolher? Quem deve proteger? Paul se atormenta com essas questões ao mesmo tempo que busca compreender as ações dos rebeldes infiltrados.
Com esse plot sendo apresentado, o autor nos pega pelas mãos e nos leva em uma grande viagem ao lado dos protagonistas, onde juntamente com eles, devemos ponderar as decisões a serem tomadas. Pegando emprestado uma frase do filme de Homem Aranha, “com grandes poderes vem grandes responsabilidades”. E de fato é isso que a trama de Messias de Duna buscou mostrar. Não se pode comandar um imenso reino sem sofrer danos, perdas e dor. Não se pode proteger quem amamos sem machucar outros. Não se pode viver em paz, quando se é a própria causa do caos.
Entretanto, é importante fazer um parênteses aqui nesse ponto. Como mencionei no início, me pareceu que o livro dá voltas em torno do próprio eixo em ir para lugar algum. A linha base da narrativa é lenta, um pouco confusa e até mesmo previsível em vários pontos. O clímax que poderia ser gerado em descobrir quem são os conspiradores é quebrado pois logo de cara o autor já aponta o dedo para os culpados. Assim, só restou a mim acompanhar o rumo da trama, pois de resto, já era possível adiantar o começo, meio e fim.
Coincidência ou não, Messias de Duna caiu na famosa maldição do segundo livro. Ou seja, uma continuação que se espera muito, mas que entrega pouco do que o leitor realmente espera. Talvez para algumas pessoas pode ser que essa continuação seja agradável, pois ela tem um ritmo mais lento e é menos denso do que o primeiro. Entretanto, para mim que fiquei maravilhado com o primeiro livro, esperava pelo menos uma trama do mesmo nível do anterior. Mas não rolou dessa vez.
Apesar do “banho frio”, um mantra que tenho adotado é de que “não se pode julgar uma série por apenas um livro ruim”. Logo, considerando que a série Duna é composta por 6 volumes, não posso simplesmente jogar tudo pro alto e parar aqui. Acredito que os próximos livros vão melhorar a narrativa, já que neste volume fecha-se um arco narrativo, dando espaço para um novo arco a partir do livro três. Sendo assim, só posso aguardar a leitura dos próximos volumes e verificar se a trama apresenta algo de novo e que surpreenda. Porque ainda que a experiência dessa leitura não tenha sido tão boa, o universo de Duna é magicamente fantástico e ainda dá muito “pano pra manga”.
[RESENHA ORIGINAL POSTADA EM COLABORAÇÃO NO BLOG RESENHANDOSONHOS, EM 2019]
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