Inácio 03/12/2014
Pequena obra-prima
Georges Simenon foi um gigante da literatura. Quem não tem disposição ou tempo para encarar as centenas de romances que ele escreveu ou considera a ficção policial um gênero “menor”, bastaria ler a novela “Ainda restam aveleiras” para incluí-lo em qualquer lista ao lado dos gênios.
A narrativa se assemelha a um fragmento de um diário do banqueiro François Perret-Latour. Podre de rico, vivendo num apartamento sofisticado, enorme e vazio na praça mais opulenta de Paris, ele está esperando o tempo passar e a morte chegar. Sua vida é organizada, metódica e muito solitária. Seus filhos o respeitam à distância, seus amores foram rápidos e um bocado fúteis. Ele é bom de ganhar dinheiro e fraco de manter as pessoas por perto.
Até que recebe uma carta. E os sentimentos que essa carta provoca vão alterando sua forma de estar no mundo. Simenon consegue a proeza de construir mudanças sutis e quase imperceptível, num ritmo lento, num texto curto onde em tese as mudanças aconteceriam num ritmo veloz, ao menos nas mãos de um escritor com menos talento ou mais apressado.
Uma pequena obra-prima.
(separei um trechinho:
- Só um copo de vinho por refeição - aconselhou-me então Candille.
Como era incapaz de me limitar a um copo, preferi suprimir tudo. Mais tarde, reduzi pela metade o número de cigarros.
Um dia, sem saber, joguei minha última partida de golfe. Uma entorse me impediu de jogar por várias semanas e, depois, percebi que perdia o fôlego muito depressa.
Depois a equitação.
Depois o esqui-aquático, pois fui um dos primeiros a fazer esqui-aquático em Cannes, e continuei até seis ou sete anos atrás,
A vida encolhe. É fatal, mas a cada vez que passamos um traço sobre uma palavra, que nos proibimos uma nova atividade, isso faz um pouco mal.