Tiago 12/04/2021
Viver brasileiramente o Brasil
Viver brasileiramente o Brasil: era isso o que buscava Policarpo Quaresma, esse personagem quixotesco de Lima Barreto. Publicado em fascículos em 1911 e tido pela principal obra de Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma tem por protagonista um personagem quixotesco, que buscava com certa convicção delirante viver brasileiramente o Brasil: envia ao presidente uma petição para que se institua como a língua oficial do Brasil o tupi-guarani, cumprimenta seus conhecidos não com aperto de mãos, mas com choro e lágrimas, como os tupinambás e prefere violão ao piano porque este é menos brasileiro que aquele.
O traço cômico e até ácido de Lima Barreto no romance tem raízes na crítica à cultura estrangeirista que encontramos no Brasil. Como um país colonizado por Europeus, é consequente que haja influências estrangeiras na cultura e organização social, entretanto, diante de uma antecipação modernista, Lima Barreto com o romance preocupa-se com o que há no Brasil que daqui possa ser originalmente extraído. Sergio Buarque de Holanda nomeia de bovarismo essa inconformidade com a própria realidade que tem por ânsia buscar fora uma outra. O bovarismo toma Madame Bovary, a personagem de Flaubert, que é uma mulher que sonha e perde-se em uma realidade a qual não lhe pertence, como uma figura que ilustra o caráter de um estrangeirismo acentuadamente brasileiro.
Há diversas formas de ler um grande livro e em cada um delas é possível encontrar novas questões. Triste Fim é um livro de popular indicação para leitura no percurso colegial brasileiro. Eu o li no ensino médio pela primeira vez e muito pouco tomei de reflexões, que voltavam-se muito mais para o estudo dos períodos da literatura brasileira. Hoje não apenas este, mas outras obras de Lima Barreto podem ser lidas com um olhar que tragam apontamentos para questões bastante contemporâneas. Enquanto escritor negro, nascido poucos anos antes da Lei Áurea, da qual escreve um pequeno relato próximo a um estilo confessional, de crônica e de diário a respeito de sua experiência diante dos efeitos sociais da Lei Áurea, Lima Barreto acentua em seus romances a cor de seus personagens e os efeitos do racismo sobre eles; o caráter ufanista de Policarpo, embora caricato, muito diz de nossos tempos de hoje, tomados por um governo que tem por lema “Brasil acima de tudo” ao mesmo tempo que idolatra uma bandeira norte-americana.
Alimentado por um ideal romântico pelo país, Policarpo buscava extrair do Brasil a sua brasilidade. Na língua, na terra e na política. O livro é dividido em três partes, e em todas as três há um fim triste para seu protagonista em cada uma de suas empreitadas.