jota 06/03/2020Anos de abandono...Como li recentemente (no início de fevereiro, um mês atrás) Dias de Abandono, de Elena Ferrante, à medida que eu lia Laços, de Domenico Starnone, encontrava muitas semelhanças entre os dois livros a ponto de pensar, como alguns leitores aqui mesmo do Skoob ou de outros sites, e até alguns jornalistas, que Elena Ferrante de fato não existe e que seus livros são mesmo escritos por Starnone. Dele temos fotos e entrevistas; Elena Ferrante parece que ninguém nunca viu ou ouviu, não sei... Embora essa não seja a questão mais importante aqui; o que importa de fato é se a obra nos diz alguma coisa, se conta uma história que nos faça viajar no tempo e no espaço etc. Acho que Laços faz isso melhor do que Dias de Abandono.
Não sei qual desses livros foi publicado antes, mas durante muitas páginas, em Laços tudo é muito parecido com Dias de Abandono: Aldo, professor universitário, troca a esposa Vanda por aluna, muito mais jovem, Lidia. Vanda tem de cuidar dos filhos Sandro e Anna e também fica com um animal de estimação, o gato Labes. Agora troque Aldo por Mario, Vanda por Olga, Sandro por Gianni, Anna por Illaria, a amante Lidia por Carla. Troque o gato Labes pelo cão Otto e o vizinho Carrano pelo vizinho Nadar. O que temos? Dias de Abandono. Ah, sim, nos dois livros o apartamento dos personagens é invadido... Bem, as coisas são muito parecidas durante algum tempo, até certo ponto, porque a história contada por Starnone me pareceu mais interessante do que a narrada por Ferrante, não apenas no conteúdo também na forma como se desenvolve a trama dos laços, das ligações entre os personagens.
A vida do casal Aldo e Vanda e dos filhos, também da amante dele, Lidia, nos é contada durante vários anos, não sequencialmente nem na totalidade, claro, mas através de episódios. Primeiro pela mulher abandonada (Primeiro livro), depois pelo marido (Segundo livro), não ex-marido porque a história começa nos anos 1960 e não houve separação de fato: nem mesmo havia divórcio na Itália então. Finalmente (Terceiro livro), os filhos encerram a narrativa: Sandro e Anna matam nossa curiosidade sobre o relacionamento dos pais entre si e com eles, seus filhos, antes, durante e depois dos anos de abandono, digamos assim. O incidente no apartamento e o sumiço do gato de estimação do casal também são esclarecidos pelos irmãos.
Desse modo, a mesma história contada por personagens diferentes, é que The New Yorker escreveu que “Laços é um romance engenhosamente construído.” E é mesmo, tem até certo suspense, como destacou Sérgio Augusto, em O Estado de São Paulo: “Bem escrito, fluente como um romance policial {...}, Laços é, simultaneamente, um compassivo drama familiar e uma ansiosa comédia de erros amarrados por laços concretos e metafóricos.” A escritora Jhumpa Lahiri (de Intérprete de Males, obra que ainda não li), que traduziu Laços para o inglês, diz que Domenico Starnone é “Um escritor brilhante”. Que é o título de um texto de quase dez páginas em que ela elogia o autor e a obra, presente nesta edição da Todavia, 4ª. reimpressão, 2018. Não li outras obras de Starnone, não sei se ele é tudo o que Lahiri afirma. Sei que Laços se lê rapidamente, não apenas porque é um romance curto, mas porque prende bastante a atenção do leitor o tempo todo.
Lido entre 02 e 05/03/2020.