Maria Ferreira / @impressoesdemaria 26/03/2018Livro afrofuturistaEste livro é diferente de tudo o que já li. É diferente porque todos os personagens são negros, possuem pele melaninada e se passa em um universo afrofuturista com tecnologia avançada em que a religião é fator naturalizado, como a realidade deveria ser se não houvêssemos passado por um processo de escravização, colonização e apropriação do saber africano.
O primeiro capítulo é bastante convidativo porque faz perceber que será um livro com muito mistério, intensificado pelas vozes da cabeça do protagonista, o que prende à leitura desde então.
O protagonista é João Arolê, um homem de pele escura que possui implantes cibernéticos, dreads, tatuagem tribal em seu braço e perna direitos, enquanto o lado esquerdo é um braço cibernético de metal, assim como a metade direita de seu rosto, que no lugar do olho, há um monóculo azul. Ele é um ẹmí ẹjẹ, ou seja, pessoa que nasceu com dons especiais que lhe conferem algum super poder. Trabalha como caçador, protegendo as pessoas de bem e matando ajoguns, que são monstros que aparecem quando absorvem sentimentos ruins.
Mortes inexplicáveis começam a acontecer e nesse momento, para entender o presente é preciso relembrar e enfrentar o passado e seu passado tem a ver com o fato de ser constantemente atormentando com pesadelos e sua consciência que não o deixa esquecer de seus atos. Quando criança sonhava em ser astronauta, mas os acontecimentos da vida foram tornando esse sonho cada vez mais distante.
Toda ação se passa em Ketu Três, a Cidade das Alturas, altamente tecnológica com seus carros voadores, trens fantasmas e telefones psíquicos. Essa cidade tem como líder política a Presidenta Ibualama, a senhora mais velha e por isso também a mais respeitada, como são respeitados todos os mais velhos, por serem os mais sábios.
O que mais me chamou atenção no funcionamento dessa cidade foi o fato dela ser protegida e abastecida pelos Odés, grandes caçadores espirituais, como também a presença constante dos fantasmas e ancestrais familiares que são onipresentes. Aqui, religião e tecnologia são indissociáveis.
É inegável o protagonismo feminino, dado que a maior líder política é uma mulher, assim como outras personagens que têm função importante na vida do protagonista: Nina Oníṣẹ, sua melhor amiga; Jamila Olabamiji, uma menina de apenas 15 anos que está começando a manifestar seus poderes de ẹmí ẹjẹ e que atrai a atenção de muitos setores, tanto públicos quanto privados e João Arolê sabe por experiência própria qual será o destino da garota se ela for capturada pelos policiais da Aláfia Oluṣọ, orgão responsavél por manter a ordem pública, então age como um protetor dela e Maria Àrònì, uma mulher gorda curvilínea, curandeira, especialista em folhas e banhos e companheira de João, que desempenha um papel muito importante na narrativa.
A narrativa se dá de forma não linear, predominantemente em terceira pessoa, mas também é composta por muitas vozes dispostas de modo intercalado, cada uma com um recurso gráfico para se diferenciar da outra, como o uso de itálico, negrito ou espaçamento.
É interessante essa construção de muitas histórias concomitantes e intercaladas, acredito que isso faz com que o leitor fique cada vez mais curioso para saber qual a ligação delas.
A leitura é bastante rápida e fluída graças as frases breves e objetivas. Outro elemento que dá fluidez à narrativa é que algumas ações são insinuadas, não são descritas de maneira pormenorizada, então fica á cargo da imaginação do leitor.
As ilustrações de Rodrigo Cândido presentes ao longo do livro ajudam a formar imagens do quão diversa é a população de Ketu Três e também de como é a presença dos elementos espirituais nessa sociedade. O desenho da capa também é de sua autoria e representa uma imagem bem fiel da aparência física do protagonista.
O Caçador Cibernético da Rua 13 é um livro que tem continuação, mas pode ser lido de forma independente. Sua premissa se encerra nesse volume, mas dá a entender que em um próximo será melhor explicada e desenvolvida a existência de uma personagem em especial, Jamila Olabamiji, que dá mostras do seu potencial desde já.
Ler esse livro foi o primeiro passo que dei em direção ao entendimento do que é o afrofuturismo e pretendo seguir nesse mesmo caminho, então as próximas publicações do autor já têm uma leitora garantida. Também é uma boa leitura para quem quer entender um pouco melhor a respeito dos elementos da cultura iorubá, que são os que permeiam toda narrativa.
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