PorEssasPáginas 17/11/2017
Resenha: Frantumaglia - Por Essas Páginas
Apesar de nunca ter falado de Elena Ferrante aqui no blog, eu já tinha lido 5 livros dela antes de Frantumaglia. Li toda a Tetralogia Napolitana, de A Amiga Genial – uma série maravilhosa, que devorei sem parar para respirar, um atrás do outro, como se fosse um grande livro único. Mas, antes da série, li também A Filha Perdida. Mas não fiz resenha de nenhum deles porque… vocês já sentiram que um autor é tão bom, tão genial, que somos pequenos para falar dele? É como se resenhar um autor desse calibre fosse algum tipo de pecado. Eu me sentia assim com Carlos Ruiz Zafón – e ainda me sinto, toda vez que preciso fazer uma resenha dele. Pois bem, Elena Ferrante é outra autora que me faz sentir assim, que é tão incrível e brilhante que me intimida, não como leitora, como resenhista.
Alguns a chamam de “O mistério Ferrante”. O fato é que Elena Ferrante, este um pseudônimo de uma escritora italiana, decidiu não revelar sua identidade. Segundo ela, os “livros deveriam ser suficientes” para o leitor. E, apesar da ironia de eu ter lido um livro que fala dela, escritora, com suas cartas, e-mails, mensagens, anotações, fechei a obra com a certeza que Ferrante está certa: os livros são suficientes. Nós que queremos, desnecessariamente, escavar a vida de um escritor quando, na verdade, está tudo ali, em suas obras.
Frantumaglia, que dá título à obra, é uma expressão em dialeto, uma maneira que a mãe da escritora costumava descrever o sentimento de ser puxada para todos os lados por forças conflitantes que a dilaceravam. No livro, nós temos justamente isto, e acredito que esta expressão descreve perfeitamente o que uma mulher sente por toda a sua vida e que, somente escrevendo, algumas conseguem se aliviar. E, por escrever, nem digo apenas ser escritora, mas como a própria Ferrante diz, as mulheres escrevem para se acalmarem, em diários, em cadernos, em e-mails. É muito difícil ser uma mulher e, diferentemente do que pensam alguns – especialmente homens -, é difícil ser mulher não por sua biologia, mas por conta da sociedade patriarcal e machista em que vivemos.
Em suas várias trocas de cartas com seus editores, produtores e diretores de seus filmes, entrevistadores e leitores, Elena Ferrante despeja, principalmente, o ser mulher. Ela fala de feminismo, maternidade, a relação sempre complicada, dolorida e repleta de culpas entre filhas e mães… fala de costuras, sentimentos, raiva e ternura. E fala também de conflitos, carreira, escrita, o próprio ato de escrever. Acima de tudo, Frantumaglia é um livro reflexivo, um livro para as mulheres se reencontrarem e também para os homens encontrarem as mulheres de verdade, não com o filtro masculino e cheio de preconceitos, mas como as mulheres realmente são e sentem.
Na primeira parte da obra, Elena Ferrante fala especialmente de seus dois primeiros livros, Um amor incômodo e Dias de Abandono. Foi, para mim, a parte mais morosa da obra, por dois motivos: o primeiro, por minha culpa, afinal ainda não li estes dois livros; o segundo, por conta de, mais uma vez, ironicamente, apesar de não querer revelar a si mesma e dizer que os livros são suficientes, Ferrante é extremamente prolixa e descritiva a respeito de suas próprias obras. Outra coisa que me pareceu foi que, no início, ela não estava mesmo acostumada a isso, a falar das obras e de si mesma, então dava voltas confusas, repetia-se. Porém, à medida que os anos passam, ela se torna mais confiante no que escreve e, a partir de A Filha Perdida e então a Tetralogia Napolitana, ela passa a falar com mais propriedade e dinamismo de seus textos. E, para mim, esta é a melhor parte de Frantumaglia: o acesso a fatos, dados e cenas extras destes livros, que me são extremamente caros.
"Donadio Qual é a coisa mais importante que a senhora gostaria que ficasse em seus leitores após terem lido suas obras?
Ferrante Que, mesmo sob a tentação contínua de baixar a guarda – por amor, por cansaço, por simpatia ou gentileza -, nós, mulheres, não devemos fazê-lo. Podemos perder em um instante tudo o que conquistamos." Página 276
Agora, quanto ao que disse sobre as obras serem suficientes; há perguntas extremamente enfadonhas, algumas vezes dos leitores, mas, na maior parte do tempo, dos jornalistas. Em alguns momentos percebe-se como a própria escritora já não aguentava mais responder as mesmas coisas, especialmente sobre sua decisão de não revelar sua identidade. Dava vontade de gritar: “Parem, simplesmente parem, de falar sobre isso!”. E então, lendo, você percebe que o que de fato interessa é quando Ferrante fala sobre as obras, sobre as personagens, sobre sua escrita, basicamente, sobre o texto, e não sobre si mesma. Ela, Elena Ferrante, está toda ali, em sua obra. Basta lê-la.
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