Juju 20/12/2023
A maldade humana frente ao desconhecido
Black Spring é uma pacata cidadezinha no interior do estado de Nova York nos Estados Unidos. A princípio, suas florestas idílicas e espessas poderiam simbolizar meramente um estilo de vida mais conservador ou solitário, porém é certo que eles possuem um segredo bizarro e se esforçam grandemente para ocultá-lo do restante do mundo. Katherine van Wyler é o tal segredo sórdido. Uma bruxa com mais de 300 anos de história, um clichê ambulante e aterrorizador que permanece vagando pelas ruas da cidade, seguindo seu padrão desconhecido e ao mesmo tempo estranhamente familiar, quase inofensivo . Mas não se engane, basta aproximar-se ou suficiente para ouvir os sussurros que escapam de seus lábios costurados e você certamente não viverá para contar sua experiência. Mesmo que ela não possa enxergar e se locomova com dificuldade por conta das correntes amarradas em seu corpo, a bruxa é uma constante ameaça velada a todos e especificamente aqueles que habitam em Black Spring jamais poderão deixá-la, uma vez que tentar seria literalmente suicídio. Ainda assim, as pessoas aceitam sua sina e seguem com suas vidas, protegem a sua própria pária e se dedicam a construir lares relativamente saudáveis. Até que um grupo de adolescentes decide se meter com Katherine van Wyler e assim as coisas assumem um rumo ainda mais sombrio e perigoso, repleto de incertezas e permeado pelo terror mediante ao desconhecido.
Thomas Olde Heuvelt é um autor holandês, tendo publicado cinco romances e vários contos de fantasia. Poliglota, ele se aventura em idiomas diferentes, até mesmo chinês. Hex foi oficialmente lançado pela primeira vez na Holanda e fez demasiado sucesso. Assim, os direitos foram adquiridos para uma publicação nos Estados Unidos e o autor enxergou nessa ocasião, uma oportunidade para reescrever partes dessa história. Portanto, a versão holandesa apresenta desdobramentos e um desfecho diferente se for comparada à versão americana, uma espécie de Hex 2.0. Existem rumores também de que estariam desenvolvendo uma adaptação para as telas.
Sobre o livro, a minha experiência foi muito boa. Alguns podem considerá-lo bastante assustador, por se tratar de um terror, mas como já estou bem habituada ao gênero não senti tanto impacto no que diz respeito às emoções como medo ou tensão. Para mim, a mensagem dessa obra foi muito mais válida a partir do momento em que passei a compreender melhor a figura de Katherine van Wyler. Logo ficou evidente para mim que o autor estava descrevendo um outro tipo de horror, algo muito mais próximo da nossa realidade. O que não deixa de ser assustador, é claro. Afinal de contas, a bruxa não era a causadora de todo o sofrimento e a maldade em Black Spring. Ela era na verdade, uma alternativa, uma espécie de bode expiatório a quem poderiam recorrer para justificar suas ações, pensamentos e crenças horríveis. Como em uma cruzada, de repente, ao terem de lidar com a possibilidade de algo que desconheciam e não podiam controlar, todas aquelas pessoas regrediram aos comportamentos vis e desumanos de colonos do século XVII e passaram a agir como animais, puramente dominados por instintos e em uma batalha sangrenta, quase cega pela sobrevivência. Custe o que custar. E esta é uma reflexão muitíssimo interessante, pois claramente vemos que enquanto seres humanos, nós tendemos a fazer coisas inimagináveis e cruéis, coisas estas que justificamos posteriormente e defendemos como atos de amor ou de clemência. O que aconteceria então se enfrentássemos uma "ameaça" como Katherine van Wyler? Vale a pena exercitar essa linha de raciocínio e conferir essa história maravilhosamente sombria.
Hex não estava mais recebendo novas tiragens aqui no Brasil, porém a Darkside (editora que detém os direitos de publicação por aqui) felizmente fez questão de trazê-lo de volta aos seus leitores. A nova versão ainda possui capa dura e ilustrações bem bonitas. Eu ainda fui premiada com um livro autografado pelo próprio autor!