Henrique Fendrich 07/04/2021
Esse livro é realmente uma pérola que mereceu toda a exaltação que o Thomas Mann fez dele, sustentando que merecia figurar entre os grandes clássicos universais. Hermann Ungar é, assim como Kafka, um escritor de origem judaica que nasceu na atual República Tcheca e que escrevia em alemão. Afora essas semelhanças étnicas, os dois se conheciam e, o que é mais interessante, tinham semelhanças de estilo literário.
É o que me parece ao ver o quanto há de kafkiano nesse expressivo "Os mutilados". Trata-se da história de um personagem deslocado e desajustado socialmente, o temeroso Franz Polzer, que viveu experiências traumáticas na infância que repercutiriam e definiriam toda a sua vida. Se há realmente no livro mutilados no sentido físico, Polzer era um mutilado no sentido psicológico, alguém a quem foram cortados o ânimo, a vontade e o próprio movimento da vida, de modo que tudo o que ele almejava era manter a ordem e fugir dos sobressaltos.
Infelizmente, porém, um dia a conta chega para Polzer, um dia o seu fracasso e o seu desajuste lhe caem sobre a cabeça e o que o autor conta é justamente como se dá esse processo. Verdade que isso se dá com o encontro de outros personagens que tinham as suas próprias agonias, sejam elas médicas, religiosas ou sexuais, mas tudo isso se conjuga de maneira a fazer Polzer cair ainda mais na sua pobre vida de homem em estado de medo.
É um livro muito ágil, vertiginoso em vários momentos (quando se entra realmente na cabeça do personagem e se segue o seu desencadeamento de ideias fóbicas), forte em muitas cenas e aberto a múltiplas interpretações, análises e estudos - tal e qual realmente se espera de um clássico da literatura.