Eloisa 09/09/2021
Você sabe o que aconteceu em janeiro de 1835 em Salvador? Pois bem, ficará sabendo graças aos escritos de Gonçalo Santana. Essas páginas, quase 150 anos depois, chegam às mãos do narrador do livro, um brasileiro, professor de francês, que foi até Caiena (Guiana Francesa) para fazer uma imersão na língua, mas que acabou absorvido pela história do seu país.
Acompanhamos as lembranças de Gonçalo enquanto crescia como filho de pais livres na cidade de Salvador no início do século XIX. Apesar de só termos acesso a lapsos de sua memória, somos completamente transportados àquele ambiente. A cidade em decadência, os horrores da escravidão, a variedade de povos africanas que conviviam ali e suas diferentes línguas, costumes e religiões que contribuíram para esse sincretismo tipicamente brasileiro.
Porém, Gonçalo chama atenção para uma parte da população que não ia à igreja nem aos terreiros, mas se reunia em casas, vestia turbantes e túnicas diferentes e lia um livro com escritos embaralhados. Eram os Haussais, povo muçulmano que comandou a Revolta dos Malês, principal evento do livro.
Acredito que o principal mérito da obra está na pesquisa realizada pelo autor. Ele traz detalhes do cotidiano, minúcias dos costumes, falas e situações que, apesar de corriqueiros, dizem muito sobre aquele período e te transportam para a Salvador dos anos de 1830.
Apesar de pequeno em tamanho, há uma gama temática enorme a ser explorada. Várias vezes interrompia a leitura para pesquisar alguma coisa mencionada ou parava para refletir sobre um tema levantado na narrativa. Além de rico em conteúdo, a edição ainda traz belíssimas ilustrações do século XIX que deixam a estória ainda mais nítida.
Eu e você já sabemos em parte o que acontecerá no fim do livro, mas Gonçalo faz a História tomar um tom pessoal e mais vívido. Presente e passado se cruzam e apontam algumas cicatrizes que nosso país enfrenta até hoje.
?Por que resolvi escrever? Porque quero que saibam que que em um passado não distante, homens vendiam outros homens, e que o futuro saiba que houve um tempo onde homens se sentiam mais humanos que outros.?