Gramatura Alta 14/02/2018
Krysten Ritter, para quem não sabe, é a atriz de JESSICA JONES, seriado da NETFLIX. A FOGUEIRA é seu primeiro livro, e ela foi esperta na história que concebeu. Por quê? Bem, porque ela não correu riscos, ela usou várias partes de outras obras de sucesso, fez uma boa amarração entre essas partes, adicionou uma narrativa intimista, mas sem ser piegas, e entregou uma história consistente, interessante, mas que não possui nada que seja realmente original.
Vamos analisar: garota que abandona cidade depois de uma trauma e volta anos depois para se vingar, ou para resolver os problemas pendentes; empresa poderosa que afeta o meio-ambiente e compra todos para não ser processada; triangulo amoroso, onde um é bonzinho e o outro um canalha; bullyng feito por um trio de garotas bonitas e ricas; abuso de menores; um desaparecimento misterioso, que pode ter sido um assassinato, na verdade. Você, se lê ou assiste filmes regularmente, vai sentir que já viu cada uma dessas partes em outros lugares.
Por serem temas de certa forma diferentes, o resultado dessa mistura poderia ser desastroso. Mas é necessário elogiar Ritter por conseguir uni-los de forma competente, sem parecer que estão desconectados, e de uma forma que cria um suspense crescente e que culmina com uma explicação plausível e emocionante.
Abby, a personagem principal e narradora, tem um crescimento visível desde que volta para a cidade e precisa confrontar seus traumas, causados pelo bullyng que sofreu no colégio e pelos maus tratos de seu pai abusivo. Ela não apenas consegue ultrapassá-los, mas também afirmar sua convicção de justiça para conseguir resolver e punir os culpados pela intoxicação da população através da poluição das águas da represa da cidade, mesmo que, para isso, ela perca o direito de advogar.
Além de Abby, existe uma segunda personagem tão importante quanto, uma vez que é ela quem move toda a trama, mas que aparece na história apenas através de menções e lembranças: Kaycee, a garota que foi a melhor amiga de Abby na infância e que, na adolescência, se tornou seu pior pesadelo, com uma perseguição ostensiva e covarde sem qualquer motivo aparente.
Toda a complexidade de Kaycee é construída sobre a ótica de outros personagens, então o leitor nunca tem certeza de quem ela é de verdade, se ela é uma vilã, uma vítima, alguém com problemas psicológicos ou outra coisa qualquer. Nós nunca temos uma versão dela mesma, e quando chegamos ao final do livro, descobrimos que ela pode ter sido todas essas personalidades juntas, mas com um motivo doloroso e cruel, não para os outros, mas para ela própria.
Existe outros personagens no livro que possuem sua devida importância e são construídos dentro dos limites que precisam para completar a sequência de eventos. Nada é gratuito em A FOGUEIRA, cada pedaço do texto tem uma função e isso foi outra coisa que me agradou e surpreendeu. Não é comum encontrar essa segurança em obras de estreia, mesmo que elas se sustentem em temas famosos e conhecidos. E nem mesmo a capacidade de deixar cada personagem com suas características ímpares, dando oportunidade para que eles cresçam e se transformem em pessoas mais maduras.
A FOGUEIRA foi uma surpresa agradável, que eu li de curioso e por ser fã da atriz, agora também autora. É um thriller emocionante, bem amarrado, com personagens bem construídos, que abre as portas para uma escritora promissora.
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